Publicado na Revista Política Democrática em 17/05/2021
“Não há solução econômica, sem prévia solução sanitária”
(Benito Salomão, Junho de 2020)
A sentença acima foi escrita em meu texto na Revista Política Democrática de Junho de 2020, repetida em outro artigo meu de setembro do mesmo ano. No ano de 2020 o Brasil se colocou diante de um falso tradeoff (escolha), salvar vidas ou salvar a economia? Acabou não salvando nenhum, nem o outro e chegou em janeiro com uma taxa de 130 mortos por 100 mil habitantes (mais do que o dobro da média mundial que foi 62 óbitos por 100 mil) somado a uma queda acumula do PIB de -4,1%. Queda esta que só não foi maior devido à expansão sem precedentes da política macroeconômica, evidenciada na queda da taxa Selic de 4 pontos percentuais e uma expansão do gasto público de 12 pontos percentuais do PIB.
Um ano se passou desde que o Coronavírus ganhou status de pandemia e exigiu enormes esforços dos governos nacionais para proteger suas populações e já há dados suficientes para inferir algumas conclusões. Partindo de uma amostra para 60 países que já apresentaram dados do PIB em 2020, é possível identificar nitidamente a diferença de desempenho entre aqueles que optaram por adotar um enfrentamento sério e preventivo ao vírus vis a vis os que optaram por uma estratégia dúbia no enfrentamento à pandemia. O primeiro grupo representado China, Vietnã, Nova Zelândia, Noruega, Finlândia, Nigéria, entre outros viram seu PIB variando entre -2% e 2%. Muito acima, portanto, da mediana dos 60 países que apresentou retração de -4,1%. Desempenho também muito superior a países que negligenciaram a doença no início como Reino Unido, México, Itália, França e Espanha que apresentaram retrações do PIB entre -8% e -10%.
Os dados confirmam o que eu escrevi meses atrás, não se resolve a economia sem prévia solução para o problema de saúde. E onde está o Brasil neste contexto? O país apresentou um mergulho do PIB de -4,1% em 2020, o maior da sua história e, paralelamente a isto, apresenta uma taxa de óbitos de 130 para cada 100 mil habitantes, o dobro da média mundial de 62 mortes por 100 mil, enquanto países como Nova Zelândia, Coreia do Sul e Vietnã têm taxas próximas de 0 mortes por 100 mil. Há, portanto, uma clara correlação entre número baixo de mortes e o amortecimento dos impactos sobre a atividade.
O desempenho do Brasil é ainda pior ao se considerar a expansão fiscal patrocinada pelo governo no exercício de 2020. Ao todo, o pacote fiscal brasileiro para o enfrentamento da COVID-19 teve magnitude de 12% do PIB, algo muito semelhante à Turquia que gastou 12,8%, porém teve uma taxa de mortos de 40 para cada 100 mil habitantes e um crescimento econômico de 2% em 2020. O pacote fiscal brasileiro foi o dobro do governo de Israel que gastou 6,1% do PIB e quase o triplo da Noruega com 4,3% do PIB. Em outras palavras o Brasil gastou, mas não gastou com efetividade, negligenciou a compra de vacinas e suavizou pouco o ciclo econômico.
Tirando os olhos do retrovisor e traçando diagnósticos para 2021, em meio a uma segunda onda que se abateu com intensidade, já se fala na possibilidade de uma terceira onda igualmente agressiva e o surgimento de novas cepas. Os países estão se movimentando para ampliarem a oferta das vacinas a tempo suficiente para evitar uma terceira onda, o Brasil mais uma vez deixa a desejar. O país vacinou, até o presente momento cerca de 8% da sua população com as 2 doses, desempenho muito pior do que países muito mais pobres como Sérvia, 16,8%, Marrocos 11,1%, Turquia 9,2%, Estônia 8,3%, entre outros. Em meu artigo “Riscos para 2021” de fevereiro deste ano, argumentei que a letargia na vacinação da população pode se tornar um risco para o desempenho econômico deste ano. Menos de 90 dias se passaram e está evidente que o ritmo posto novas ondas vão prejudicar o crescimento da economia que pode entrar em nova recessão nos dois primeiros trimestres deste ano.
Toda a tempestade envolvendo a proliferação da pandemia, favorecendo o surgimento de novas cepas, o atraso proposital na vacinação, estagnação da economia, tende a ser piorado com a elevação da inflação e dos juros, com a saturação da dívida pública no horizonte futuro e com um possível efeito de histerese da economia brasileira, isto é, quando a queda econômica que deveria ser cíclica, altera a tendência de longo prazo e o país passa a apresentar um péssimo desempenho econômico de forma permanente. É preciso evitar esta tempestade!
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