Reforma Tributária, Tamanho do Governo e Ilusão Fiscal

Publicado no Jornal Correio Braziliense no dia 19/07/2023

“L’illusione finanziaria racchiude adunque una categoria di errori che tende ad alterare il costo del Stato, ed un’altra che tende a alterarne l’utilitá”. (Puviani, 1903).

O Trecho acima foi transcrito do clássico “Teoria della Illusione Finanziaria” de Amilcare Puviani, cuja publicação completa 120 anos. As reflexões do autor sobre ilusão fiscal merecem ser resgatadas no contexto atual permeado pela eminente aprovação da Reforma Tributária no Senado. O texto em tramitação na casa substitui cinco impostos indiretos por um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual: o CBS de competência da União em substituição ao IPI; PIS e Cofins, além do IBS de competência dos Estados e municípios em substituição do ICMS e ISS-QN.

Desde sua aprovação na Câmara, os críticos da reforma têm se posicionado no espaço público a fim de alertar sobre eventuais problemas do texto. Alguns alertas são bastante pertinentes. Um dos principais pontos de polêmica consiste na falta de uma alíquota para o imposto. De fato, antes da aprovação final do texto que definirá o número de produtos e setores que terão tratamento diferenciado, não é possível afirmar com precisão qual será a alíquota definitiva. Se especula, no entanto, que ela pode ser superior a 25%, o que tornaria o recém-criado IVA brasileiro, um dos maiores do mundo.

A reforma ainda não foi aprovada, entretanto, um efeito positivo pode ser verificado imediatamente, ao romper com o confuso modelo tributário anterior, caracterizado por um número excessivo de impostos e uma caótica distribuição federativa, a supracitada reforma estabelecida sob as bases do IVA mitiga parte importante da ilusão fiscal em curso no Brasil. Voltando a Puviani, a ilusão fiscal consiste em uma “miopia” que produz na sociedade uma “tendência a sobrestimar o tamanho do governo, minimizando os seus custos”. A instituição de um IVA cuja alíquota será elevada devolve à sociedade brasileira a percepção, as vezes negligenciada, de que o governo é demasiadamente grande. Convém ressaltar que o tamanho do governo não mudou com a aprovação da reforma, esse já era o seu tamanho, porém os efeitos da ilusão fiscal mascaravam tal realidade.

Ademais, no Brasil, o governo não é grande devido às características do lado dos impostos. Há uma vasta literatura empírica que concorda que a política fiscal é enquadrada como “Spend-Tax”. Em suma, o que determina o real tamanho do governo aqui é o lado do gasto, não o dos impostos e a reforma tributária apenas escancara o tamanho. O teto de gastos tentava limitar novas expansões do tamanho do governo e de certa forma, conseguiu. Entretanto, Puviani atrela o conceito de ilusão fiscal ao de ilusão política e os macroeconomistas têm muito pouco a dizer sobre o tamanho ideal de um governo, este é um assunto de economia política e o seu resultado depende de instituições desenhadas em pactos democráticos.

O tamanho do governo pelo lado dos impostos é um resultado de uma construção democrática firmada em um pacto político. Entretanto, a presença da ilusão fiscal verificado no modelo tributário anterior elevava o custo de fiscalização acerca do seu real tamanho desequilibrando a organização das forças políticas participantes, facilitando a captura de recursos públicos por grupos mais bem representados. Em outras palavras, existem duas consequências indesejáveis advindas da ilusão fiscal: i) a expansão do tamanho do governo, denominada por Brennan e Buchanan (1980) como hipótese do Leviatã; ii) uma distorção na capacidade distributiva deste governo privilegiando alguns grupos sociais em detrimento de outros.

Sem reformas adicionais que visem trazer o governo para um tamanho razoável, o recém-criado IVA tende a se consolidar como um dos maiores do mundo. Se a matemática continua sendo exata, uma alíquota de imposto menor sobre o setor produtivo só pode ser viável mediante a uma distribuição desta carga entre mais setores. Ou seja, o número de segmentos ou produtos com tratamento diferenciado importa para o tamanho da alíquota. O lado do gasto também tem que entrar na equação, inclusive nos entes federados que passam a ser responsáveis por parte do IVA.

O IVA per se não resolve o problema do tamanho do governo, mas ele reorganiza as forças políticas que participam das decisões quanto à aplicação efetiva destes recursos. Na ausência de ilusão fiscal, os grupos beneficiados por regras diferenciadas do modelo tributário confuso de antes, sofrerão constrangimentos maiores e isso repercute na agenda legislativa que pode sustar alguns privilégios, ou ao menos evitar que novos privilégios passem a ser lançados no orçamento.

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