Juros Reais, Neutros e Comunicados do BC

Publicado no Jornal Valor Econômico no dia 12/07/2023.

No último dia 21/06 o Comitê de Política Monetária (COPOM) se reuniu para definir a meta da taxa básica de juros (Selic) a vigorar pelos próximos 45 dias. Como era de se esperar, a decisão foi de manutenção da taxa nos atuais 13.75% anuais. Ao contrário do que se pensa, a taxa de juros não é o único instrumento disponível aos Bancos Centrais (BCs) para fazer sua política monetária.

Em uma economia regida pela hipótese das expectativas racionais, formulada pelo Prof Robert Lucas Jr que faleceu recentemente e deixou um grande legado, a Curva de Phillips (CPh) pode assumir um formato forward looking, ou seja, os agentes antecipam probabilidades de choques e tomam decisões com base nestas expectativas. Neste caso, os BCs têm à sua disposição instrumentos não contracionistas como comunicados, atas, forward guidance, entre outras ferramentas de política monetária não convencionais.

Se hipoteticamente o formato da CPh é puramente forward looking e não há nenhum espaço para inercia inflacionária, rigidez de contratos e preços, sob a suposição adicional de que o BC é inteiramente crível, a segunda família de ferramentais (atas e comunicados) bastaria para que a inflação convergisse para meta. Pois se há uma meta pré-anunciada e uma regra crível de política monetária, basta que o BC anuncie que irá produzir uma convergência da inflação para esta meta que os agentes fixadores de preços antecipariam ao BC remarcando seus preços olhando para ela. Neste caso, não haveria custos em termos de PIB e emprego para desinflacionar a economia. É importante salientar que dados estes pressupostos, se o BC age de forma discricionária e surpreende com uma atuação diferente do anunciado nos comunicados, haverá forte ônus reputacional e a inflação se deslocaria permanentemente da meta, tendendo ao infinito.

Voltando à última reunião do COPOM, a manutenção da Selic era esperada pelos agentes, porém havia uma grande expectativa para que o BCB anunciasse, no seu comunicado, o início do ciclo de relaxamento monetário, o que pode se dar já na reunião de agosto. Tal anúncio veio na ata, uma semana depois e condicionado à manutenção da melhora recente observada nos dados inflacionários. Nesta mesma semana houve a tão esperada reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) que deliberou pela manutenção da meta de inflação e suas bandas, porém prolongando, a partir de 2025, o prazo de convergência dado ao BCB para alcançar esta meta. A curto prazo nada muda, porém a longo prazo este pode ser um incentivo dado ao BCB, a fim de torná-lo mais leniente com inflações persistentes.

Vale ressaltar que o exemplo hipotético supracitado não condiz com o caso brasileiro cujas estimativas da CPh demonstram predominância do componente backward looking no comportamento da inflação. Aqui, devido à indexação elevada, ao peso excessivo dos preços monitorados, as defasagens da inflação ainda explicam a maior parte do seu comportamento. Isso tem implicações para a política monetária. Uma vez que a inflação não é resultado puramente da forma como os agentes a esperam no futuro, comunicados e atas não bastam para fazê-la convergir. Conclui-se que a taxa de juros ainda tem um papel relevante na política monetária e que o processo de desinflação tende a ser mais penoso em termos de produto e emprego do que no exemplo hipotético. Aqui, a forma pela qual o BCB altera a inclinação da curva de inflação é mantendo uma taxa de juros real acima da taxa neutra (aquela estimada como sendo a taxa real capaz de igualar oferta e demanda sem produzir pressões inflacionárias).

No bojo do debate infrutífero sobre o nível dos juros no Brasil, um conjunto de informações falaciosas têm sido apresentado a fim de confundir as pessoas. Um dos pontos desta confusão é que o país apresenta a maior taxa de juros reais do mundo, argumento muito utilizado por militâncias para criminalizar a política monetária por vias do velho maniqueísmo brasileiro, que partidariza questões técnicas.

A taxa de juros real é obtida pela hipótese de Fisher (1930), que estabelece uma diferença entre a taxa nominal (essa sim fixada pelo BC) e inflação. Em um mundo permeado por incertezas em que a economia é acometida por choques de diversas naturezas, desvios de curto prazo da inflação em relação à sua meta produzem oscilações na taxa real de juros. Perceba o leitor que a taxa real é endógena, o que significa dizer que ela passa a ser definida não só pelos movimentos da taxa nominal, mas também por um conjunto de outras variáveis, dentre as quais os índices de preços. Neste caso a influência do BC sobre ela é apenas parcial.

Quando alguns economistas denunciam os “maiores juros reais do mundo” a comparação vem permeada de erros. Dada a definição supracitada, um juro real baixo, ou negativo, pode se dar à custa de uma taxa de inflação próxima (ou maior) do que a taxa nominal de juros. Via de regra países que têm taxas reais negativas à custa de uma inflação elevada tendem a apresentar desequilíbrios macroeconômicos crônicos e terão dificuldades de fazer convergir a inflação para patamares civilizados a médio prazo. Felizmente não é isto que acontece no Brasil. Em que pese o país tenha uma taxa real elevada, a inflação aqui ainda é mais baixa do que a maior parte dos países comparados. Se o governo não atrapalhar, é possível que a inflação convirja para meta a médio prazo e os juros reais possam cair de forma consistente. Isso não significa que reformas adicionais que visem tornar a taxa neutra permanentemente mais baixa não devam ser encaminhadas.

Um ponto particularmente preocupante na política monetária doméstica é a resiliência dos núcleos (índices de inflação calculados aparando preços muito discrepantes). Se aplicarmos a hipótese de Fisher partindo dos núcleos do IPCA, ao invés do índice cheio, a taxa real de juros seria consideravelmente menor do que se ventila em alguns foros de audiência. Calculada a partir dos núcleos, ela também não estaria tão acima da taxa neutra, que é o que importa para saber se a política monetária está no campo contracionista, ou não.

Este ponto tem levado inúmeros economistas ao erro nesta comparação entre as taxas reais de juros brasileiras vis a vis a de outros países. A forma correta de se saber se a política monetária brasileira é mais contracionista do que outros países seria comparando as diferenças da taxa real em relação à taxa neutra para uma cesta de países, controlando ainda por características institucionais como o grau de independência dos diferentes BCs, formatos distintos das diferentes CPhs com graus de indexação e rigidez.

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