Riscos para o Regime de Metas de Inflação

Publicado no Jornal Folha de São Paulo no dia 27/02/2023

O Banco Central do Brasil (BCB) opera em um regime de metas de inflação desde 1999. Tal regime é caracterizado por: i) indicação ex ante de uma meta para a qual o BC deve conduzir a inflação; ii) uma função reativa do BC indicando qual será o movimento da taxa de juros em resposta à desvios da inflação corrente em relação à sua meta e; iii) instrumentos de responsabilização à autoridade monetária quando a meta é descumprida.

Em 2021, o BCB ganhou sua autonomia operacional, de forma que seu presidente e diretores têm mandato e não podem ser demitidos por razões políticas. Curiosamente, desde que se tornou independente, a economia brasileira foi acometida por uma sequência de choques estocásticos que fizeram com que a inflação não retornasse à meta.

Desde que os modernos modelos dinâmicos, ancorados na hipótese das expectativas racionais tomaram o lugar dos tradicionais modelos de inspiração monetarista, a credibilidade da política monetária, bem como sua consistência passaram a desempenhar um papel central na determinação dos preços. Em outras palavras, elevações nos preços deixaram de ser uma função dos encaixes (moeda em circulação) e passaram a ser um resultado das expectativas dos agentes acerca das condições da economia. Daí a importância de uma meta previamente estabelecida, que na prática é uma informação dada pelo BC às firmas que fixam preços, indicando qual será a inflação em um dado horizonte temporal.

No último dia 10/01 o IPCA para o exercício de 2022 foi divulgado, fechando o ano em 5,79%. Pelo 2° ano consecutivo o BCB descumpre a meta, o que pode ter efeitos danosos para este regime devido às implicações que isso causa no formato da curva de Phillips (CPh), passando a predominar o componente backward looking, o que significa que em contexto de inflação prolongada, as firmas passam a remarcar seus preços defensivamente observando a inflação corrente e não mais a inflação esperada (a meta). Isso obrigará o BCB a elevar a taxa real de juros muito acima da neutra, contracionando a economia.

Há ainda, um segundo risco. Falas recentes do presidente eleito e seu staff econômico em tom crítico à política de “juros altos”, sugerindo elevação da meta para 2024 podem impor mais um duro ônus reputacional ao BCB. Afinal, se o a autoridade monetária é incapaz de perseguir uma meta de 3%, porque seria capaz de entregar uma meta de 4,5%? Desde a publicação da crítica de Lucas nos anos 70, mudanças em regras de política econômica devem sempre considerar que as mesmas regras já existem e norteiam um comportamento dos agentes, sendo que alterações nestas regras provocam reações imprevisíveis.

Outro problema é o ambiente fiscal permeado de incertezas que exerce influência sobre a política monetária. Riscos fiscais a parte, há o risco de o BCB não ser capaz cumprir a meta em 2023, ou desta meta ser discricionariamente alterada para cima em 2024. Isso abalaria fortemente a credibilidade do regime que, por ser uma bússola de expectativas, depende da credibilidade para funcionar bem.

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