Há Ganhos em elevar a Meta de Inflação?

Publicado no Jornal O Globo no dia 21/02/2022

Neste início de governo, questões econômicas reais têm cedido espaço no debate para falsa tese de que a taxa Selic seria demasiadamente alta. O que leva à formulação de uma segunda falsa tese, a de que ela seria alta devido a uma meta “irrealista” de inflação. Economias organizadas sob o regime de metas de inflação são acometidas por choques estocásticos que por vezes a deslocam de sua meta imposta pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Na conjuntura, isso tem muito mais a ver com os efeitos sobre cadeias de suprimentos e o preço das commodities após choques como a Covid-19 e a guerra da Rússia, do que com o valor da meta de inflação seja ele qual for.

Dito isso, o regime de metas é munido de uma regra, uma função reativa do Banco Central (BC) que prevê movimentos na taxa de juros de curto prazo a fim de reconduzir a inflação para a meta. Como a regra monetária atua sobre a inflação futura esperada e não sobre a corrente, a credibilidade do BC é fundamental para o seu sucesso. Problemas fiscais que interferem na política monetária à parte, dois cenários são possíveis para o BC perseguir a meta. Se ele é crível a dose de elevações dos juros visando convergir a inflação para a meta é menor em relação ao cenário ele não é crível.

Isto posto, a política monetária tem sido empreendida em um contexto de erros e acertos. O BCB acertou no diagnóstico, quando no início do choque inflacionário, em 2021, muitos economistas diziam ser meramente temporário, ali, antes até do início da guerra, o BCB previu a resiliência da inflação e foi um dos primeiros BCs do mundo a elevar juros. Porém o BCB erra ao dilatar o prazo de convergência desta inflação para a sua meta. Pelos comunicados e atas, o IPCA só deve voltar para a meta em meados de 2024. Se isso acontecer, serão 3 anos consecutivos de inflação fora da meta com inevitável custo reputacional para o BCB.

A inflação é determinada por uma função chamada de Curva de Phillips (CPh) que pode ter diferentes formatos. Se os agentes formam expectativas racionais, a inflação futura esperada pelas firmas irá determinar a inflação corrente. Se o BC que conduz a política monetária é crível, os agentes antecipam reações da taxa de juros em resposta à desvios de curto prazo da inflação em relação a meta causados por choques. Neste caso, a inflação futura esperada em um horizonte temporal será igual à própria meta. Note o leitor que se os agentes são racionais, nem a inflação, tão pouco elevações esperadas na taxa de juros têm vínculos com o desempenho real da economia (o PIB).

Assim sendo o país não ganha nada revendo a meta de inflação ou reduzindo juros sem fundamentos prévios. Um possível incremento no nível da atividade oriundo de juros menores depende de uma irracionalidade de quem fixa preços cuja suposição não é razoável. Ademais, ainda que houvesse um possível ganho em termos de PIB, seria só a curto prazo. O mais provável é que ao alterar a política monetária em curso apenas traria uma inflação estruturalmente mais alta.

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