Dívida Pública não é uma Boa Âncora Fiscal

Publicado no Jornal Correio Braziliense em 22/12/2022

No bojo da transição que visa abrir um espaço no orçamento de 2023 para expandir gastos sociais, ideias têm sido lançadas a fim de conciliar as necessidades de gastos emergenciais com a sustentabilidade fiscal de longo prazo. Uma primeira proposta é a substituição do teto de gastos por uma nova regra pautada na relação dívida/PIB.

Tal ideia, no entanto, não é uma boa solução sob uma perspectiva macroeconômica. Espera-se duas contribuições de uma boa regra fiscal: i) como discorrido por Buchanan e Wagner (1977) que ela restrinja o uso discricionário do orçamento para finalidades políticas motivadas pelo incentivo da permanência no poder; ii) ela seja dinamicamente consistente, isto é, direcione expectativas sobre o padrão pelo qual os instrumentos fiscais são manuseados no longo prazo.

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O primeiro problema de um limite para o endividamento público é que ele não restringe o apetite político por recursos. Na contabilidade pública, políticos só têm acesso à política fiscal por vias do orçamento primário. Uma vez contraído um déficit, o Tesouro irá emitir títulos de dívida à termo e pagar taxas de juros à mercado.

A gestão da dívida pública não é de competência política, mas técnica e tem implicações sobre agregados macroeconômicos como a estrutura a termo da taxa de juros e a inflação. No entanto, o fato gerador deste endividamento é a política, criando um problema entre “agente e principal”. Uma regra sobre dívida pública não cria constrangimentos aos políticos na origem do endividamento que é o gasto primário.

Um segundo problema deste tipo de regra é que ela não lida com a questão da inconsistência dinâmica. Kydland e Prescott foram laureados com o Prêmio Nobel de Economia por artigo de 1977 denominado “Rules Rather than Discretion: The Inconsistency of Optimal Plans” que discorre sobre a inconsistência dinâmica. Aplicando tal problema à política fiscal, os agentes (firmas e trabalhadores) tomam decisões a partir de expectativas sobre o futuro. Regras sobre gastos públicos ancoram melhor estas expectativas, pois informam qual será a dinâmica de longo prazo da despesa. Um limite ao endividamento público, por sua vez, é estático e não organiza tais expectativas.

Seja, por exemplo, uma economia com um endividamento público inferior ao permitido na regra, porém com uma dinâmica do crescimento involuntário das despesas obrigatórias. Os agentes são bem-informados e antecipam a convergência do endividamento público para o limite legal, assumindo posições defensivas e exigindo no presente juros mais altos para rolagem desta dívida.

O terceiro inconveniente de regras fiscais calcadas em dívida é que o seu estoque em relação ao PIB informa pouco sobre a dinâmica fiscal no ciclo econômico. Como é de conhecimento, no curto prazo as economias se comportam em ciclos que são compostos de fases expansivas e recessivas. O bom protocolo da política macro sugere a formação de poupança pública (superávit primário) na expansão e estímulos fiscais (aumento de gastos e corte de impostos) na recessão.

Aqui tem-se o primeiro calcanhar de Aquiles do atual teto de gastos, ele lida bem com o problema da inconsistência dinâmica, mas ele não tem flexibilidade no ciclo. Logo, diante de recessões, o governo tem poucos instrumentos fiscais disponíveis gerando o incentivo político para descumprir o teto. Regras sobre dívida, no entanto, não resolvem este problema.

Ademais, a política fiscal no Brasil é prócíclica. Se o governo aumenta gastos obrigatórios quando o PIB cresce, nada garante que o limite legal do endividamento não será atingido durante uma recessão, quando o governo precisará ampliar gastos de forma anticíclica. Neste caso o teto de endividamento público será novamente revisto e perderá a funcionalidade.

Há um quarto elemento trazido no livro “Crisis y Reestructuración de Deuda Soberana” de Cosention et. al. Seja a dinâmica da dívida no período t dada por

dt = (1+it)dt-1 – st

(1+gt)(1+pt)

Resultante, portanto, do superávit primário s; da taxa de juros i, ambas no período t. Olhando para o denominador, a inflação p e, se um país emite a dívida em moeda estrangeira, flutuações na taxa de câmbio g a influenciam. A equação acima revela que a dívida é influenciada por um conjunto de fatores endógenos e, portanto, fora do controle do governo, apenas o resultado primário está parcialmente sob seu controle. Portanto, a convergência da dívida para a meta pode ser alcançada por vias de truques macroeconômicos, como a elevação inflacionária o que revela fragilidade, ao invés de solidez fiscal.

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