Câmbio e Acumulação de Capital

Publicado na Revista Economistas em Dezembro de 2021

A taxa de câmbio é uma variável demasiadamente controversa na economia, de forma que quaisquer tentativas de prever comportamentos futuros a seu respeito, são problemáticas, em função da capacidade desta variável sofrer flutuações inesperadas a partir de reversões no quadro de expectativas, sobretudo em países emergentes. Em outras palavras, a decisão de portar moeda doméstica vis a vis moeda estrangeira está atrelada a um certo grau de confiança dos agentes, fator este, extremamente subjetivo e de difícil alcance por parte da política macroeconômica.

No Brasil, o câmbio foi utilizado na estratégia de estabilização inflacionária no Plano Real, em um contexto de abertura comercial, se esperava que a paridade Real versus Dólar ajudasse a conter os preços domésticos por vias da concorrência entre produtos domésticos e importados. Anos mais tarde, diante de dificuldades crescentes no Balanço de Pagamentos e a necessidade de elevados volumes de reservas internacionais para sustentar o então regime de bandas cambiais, foi instituído o regime de câmbio flutuante, o que se deu por vias do Comunicado 6565 de 18 de janeiro de 1999.

O Brasil acaba de completar, portanto, 22 anos de regime de câmbio flutuante. É bem verdade que mesmo diante da adoção de tal regime, o Banco Central sempre interveio no mercado de divisas, quando esta flutuação ameaçava comprometer algum objetivo da política macroeconômica. Ao longo de todo este período, o valor do Real frente ao Dólar apresentou comportamentos muitos distintos, hora apreciado, hora excessivamente depreciado.

A concepção do regime de câmbio flutuante se deu porque que nele a taxa de câmbio é utilizada quase que exclusivamente para equilibrar o Balanço de Pagamentos, inexigindo do país grandes quantidades de reservas para tanto. Em se tratando de taxa de câmbio, no entanto, não há soluções sem custos. Rodrik (2008), por exemplo, sustenta que esta variável pode influenciar o crescimento econômico por vias dos seus efeitos para o setor manufatureiro. Para a economia brasileira, autores como Bresser Pereira e Marconi (2008) têm discorrido sobre evidências de doença holandesa, isto é, elevação do preço internacional de commodities levando à apreciação cambial e desestimulando o setor de manufatura.

Por outro lado, desvalorizações cambiais podem causar repiques inflacionários por vias do encarecimento dos preços de produtos importados, fenômeno este conhecido como efeito pass-through. Depreciações excessivas com efeitos inflacionários podem, também, pressionar a posteriori a taxa de juros influenciando negativamente o crescimento econômico. Calibrar a política cambial é, portanto, sempre um grande desafio cujos efeitos colaterais são inevitáveis.

Para além do nível da taxa real de câmbio, uma preocupação adicional que se impõe está relacionada com a sua volatilidade. No Brasil, desde a supracitada adoção do regime de câmbio flutuante, o comportamento desta taxa alternou entre períodos de alta volatilidade com períodos de baixa volatilidade. Há evidências de que a supracitada volatilidade da taxa de câmbio está associada com a redução do crescimento econômico, isto é o que está documentado na contribuição de Vieira e Damasceno (2016), entre outros autores.

O Brasil apresentou, ao longo destes anos, períodos de excessiva volatilidade na taxa de câmbio. Após a mudança do regime de bandas cambiais para câmbio flutuante em 1999 houve forte volatilidade, em seguida, o ano de 2002, por fatores relacionados à política, novamente este fenômeno foi verificado. Em 2008, novamente, em função do nervosismo nos mercados financeiros e de capitais no mundo todo, a volatilidade na taxa de câmbio apareceu novamente. A partir de 2014, sob episódios domésticos como a eleição daquele ano, seguida pelo processo de impeachment que se arrastou por meses até ser concluído em 2016, sucedido por outros episódios como a própria paralisação nacional do setor de transportes e, mais recentemente a crise do COVID-19, fizeram com que períodos de volatilidade na taxa de câmbio se tornassem muito mais frequentes.

A volatilidade na taxa de câmbio interfere diretamente na previsibilidade acerca do preço corrente dos produtos finais e intermediários comercializados com outros países. No caso das importações, isso interfere na estrutura de custos das empresas por vias do preço de bens intermediários cotados em moeda estrangeira. Para firmas que dependem de componentes importados para produzir, em contextos de excessiva volatilidade da taxa de câmbio, elas se deparam com o problema do momento adequado de importar, perdendo condições de prever o comportamento futuro da moeda e se expondo ao risco de realizar a importação sob condições cambiais desfavoráveis, o que interfere em seus lucros. Isso pode ser solucionado por hedge, produtos financeiros voltados a proteger importadores de flutuações cambiais, mas que também significa custos adicionais para as empresas.

Em outras palavras, a volatilidade na taxa de câmbio obstrui o crescimento econômico por vias dos seus efeitos prejudiciais ao investimento, isso é o que demonstra estimações deste autor. As estimações sugerem, ainda, que os efeitos prejudiciais da volatilidade cambial sobre a acumulação de capital se intensificaram no período pós-crise de 2008. Isto pode ter contribuído para a desaceleração da economia brasileira verificada na última década. Inúmeros autores de várias correntes de pensamento sustentaram ao longo de séculos de investigação econômica, que as economias dependem da acumulação de capital para que cresçam e o Brasil não há de fugir à regra.

Portanto, é preciso ter um olhar um pouco mais atento ao câmbio, não necessariamente à sua cotação propriamente dita, que deve estar submetida aos objetivos mais amplos da política macroeconômica. Mas sim, é preciso atenuar seus movimentos bruscos de curto prazo que têm inibido o investimento no Brasil e comprometido o seu desempenho econômico recente. Não se trata de mudar o regime cambial, nem tão pouco de retornar ao regime de bandas cambiais verificados no passado distante. A taxa de câmbio pode (e deve) flutuar para acomodar choques macroeconômicos domésticos e internos. Mas se trata sim de começar aparando as arestas que têm radicalizado o ambiente político nacional e contagiado a confiança na economia brasileira. Episódios políticos estão normalmente relacionados com a exacerbação da volatilidade da taxa de câmbio, foi assim em 2002, durante o período eleitoral e também foi assim entre as eleições de 2014 e o impeachment de 2016. A democracia brasileira é demasiadamente jovem e os testes pelos quais ela tem sido submetida nos últimos anos, exacerbam as incertezas econômicas fazendo com que decisões de investimento sejam postergadas. Outra questão a ser considerada são as incertezas do campo fiscal, que seguramente contribuem para um comportamento mais volátil do câmbio.

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