PEC do Teto e Investimento Público

Publicado na Revista Política Democrática em Julho de 2020

Em meio à proliferação dos casos confirmados de corona vírus ao longo do território nacional, o país tem de lidar com uma segunda pandemia, a de ideias erradas. Dentre as muitas propostas estapafúrdias que vêm a baila, surge a ideia oportunista e ideológica de revogar o Novo Regime Fiscal (NRF). Como toda falácia, ideias erradas portam maquiagem e alguns argumentos acerca dos efeitos da Emenda Constitucional 95 que, embora pareçam verdadeiros, não resistem a uma simples consulta aos dados.

A primeira acusação falaciosa acerca da PEC do Teto é sufocar os investimentos públicos e, portanto, a capacidade de crescimento da economia. Ambos os argumentos são falsos. Os limites para crescimento do gasto público do NRF entraram em vigor apenas em 2017, os investimentos públicos do governo federal vinham em queda desde meados de 2013. Além disso, grande parte dos investimentos públicos anteriores até então eram financiados via pedaladas fiscais, ou seja, o Tesouro utilizava temporariamente os bancos públicos para pagar obras do PAC e Minha Casa Minha Vida. É falso que o limite imposto ao crescimento do gasto público tenha prejudicado as despesas com investimentos. 

Na verdade, o grande fator inibidor do investimento no Brasil é o crescimento inercial do componente permanente do gasto público (previdência e salários). Sobre isto, a supracitada PEC tem exercido papel interessante. Primeiro, porque, após a incorporação do NRF, se contava com a aprovação de uma reforma da previdência que atenuasse a tendência de crescimento do gasto previdenciário. Tal reforma estava prevista para ocorrer em 2017. Em razão, porém, do conjunto de choques políticos que lhe sucederam, ela foi aprovada apenas em finas de 2019. Segundo, porque a PEC impõe uma dinâmica ao gasto com pessoal da União, distinta do verificado ao longo das últimas décadas. Sob os limites do NRF, a elite da burocracia passa a competir com as demais rubricas do orçamento, de forma que reajustes salariais devem necessariamente ser compensados por quedas em outras áreas, o que aumenta o custo político dos reajustes concedidos.

Para além do crescimento inercial de despesas permanentes, outros fatores limitam a capacidade de investimento do setor público no Brasil. O primeiro é a dificuldade em classificar investimento. A Lei 4.320/64 estabelece investimento apenas como dispêndios ligados ao capital físico, tal como obras, equipamentos e materiais permanentes. A legislação atual não contempla capital humano como um tipo de investimento. Como efeito sobre o crescimento econômico, uma obra que demore 4 anospara ser concluída, por exemplo, afeta o PIB ao longo desse período, pela contratação de trabalhadores e insumos para executá-la. Um investimento em educação, por sua vez, que mitigue o analfabetismo e aumente as habilidades básicas e específicas da população, tem potencial de elevar o crescimento do PIB de forma perene, ainda que na contabilidade pública não seja apresentado como um investimento.

Por outro lado, em se tratando exclusivamente dos investimentos em capital físico, a lei 8.666/93, que regulamenta a forma como são feitas as licitações e, portanto, contratados os serviços e obras públicas no Brasil, precisa de reformas. O processo de licitação tem de ser mais ágil, transparente e mais aberto à ampla concorrência, aí incluídas empresas estrangeiras. A forma como essas obras são fiscalizadas e pagas também devem ser ajustadas. Novos processos carecem de reflexão por parte das instituições de controle, no tocante ao encurtamento dos prazos para certidões, medições e demais exigências, de forma a que os cronogramas das obras não sejam atrasados (e, por conseguinte, tenham os preços ajustados). Urge, ainda, ainda pensar-se um sistema de garantias de obras públicas, evitando-se, assim, que uma obra construída não reclame tão cedo reparos, com oneração ao Tesouro.

São várias as razões por que o investimento público se tem comportado no curso desta década da maneira como conhecemos. Isto pouco tem a ver com o Novo Regime Fiscal, vigente há poucos anos. Solucionar isto envolve um conjunto de micro reformas a ser considerado após a pandemia. O que não se pode é, a pretexto de fomentar o crescimento e o desenvolvimento social via gasto público, revogar uma regra fiscal conquistada graças ao grande esforço legislativo que legou ao Brasil taxas de juro e inflação historicamente baixas, segundo os padrões nacionais. A PEC do Teto dos Gastos precisa ser preservada.

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