Abstenção vermelha

Publicado no Jornal Correio de Uberlândia em 27/10/2016

Um fenômeno paradoxal paira sobre o cenário político atual, se por um lado nunca o envolvimento popular foi tão expressivo evidenciado nas manifestações a favor e contra ao impeachment que marcaram o noticiário político no ano, por outro lado as eleições apontaram a menor adesão e envolvimento popular da história, que redundou num volume de abstenções somado a votos brancos e nulos recordes no país.


Análises pobres vinculam a presente crise ética da política brasileira ao baixo envolvimento da população nas campanhas e aponta o PT como o principal herdeiro deste nefasto legado, afirmar isto, nada mais é do que contrapor estes três fenômenos distintos e auferir causalidade entre eles, diante disso, deve-se apontar algumas evidências.
 
Primeiro, o alto nível de abstenções, brancos e nulos, não significa em linhas gerais um baixo envolvimento da população com a política, mas sim com as eleições, são fenômenos distintos que dá evidências de que o mesmo eleitor que se abstém de escolher uma das candidaturas, está simultaneamente mais exigente para com as ações dos políticos. Isto não significa, como dizem alguns o enfraquecimento da democracia, pelo contrário, o amadurecimento. Sendo este um fenômeno generalizado pelo país, isto enfraquece em muito a tese de que a solução para crise política brasileira perpassa por eleições gerais, mas sim pelo fortalecimento institucional.
 
Uma segunda observação, é que o alto nível de abstenções, brancos e nulos nestas eleições, se deu pela crise ética vigente que desanimaram o eleitor. Esta é uma meia verdade, houveram no passado escândalos de corrupção tão hediondos como os de agora e isto não afastou, no passado, o eleitor da urna. Mais do que isto, auferir esta causalidade ao fiasco do PT nas urnas é desconsiderar que partidos tão atingidos pelas investigações da Lava Jato como PMDB e PP cresceram sua votação.
 
Considerando com isto, o universo de eleitores e o histórico das votações que apontam os votos ideológicos, sendo 30% de esquerda e 30% de direita, o que não significa que sejam respectivamente petistas ou tucanos, considero aqui como eleitor de esquerda todo aquele que não vota em nenhuma hipótese em candidatos que representem projetos de direita e vice e versa. Além destes há aproximadamente 40% que não se posiciona ideologicamente, votam com o momento e, em geral são estes eleitores que definem o resultado da eleição.
 
Ao longo da década de 90, este eleitor de centro pendeu para a direita, já em 2000 para a esquerda, em 2014 se dividiu na mais apertada eleição que já se assistiu e por uma pequena margem venceu a esquerda. Venceu mas perdeu a credibilidade por ganhar a eleição com um projeto inviável, em linhas gerais, o projeto nacional desenvolvimentista que foi um fracasso em outros momentos da história, pela primeira vez foi identificado como pertencente à esquerda que perdeu o seu discurso.

 

 
A partir daí o eleitor de centro voltou a pender pra direita, vide o crescimento do PSDB, no entanto, é plausível crer que a esquerda (PT e outros) tiveram somados um resultado menor do que seus históricos 30%, em geral ficaram abaixo de 20%, o que significa que parte deste crescimento das abstenções é nitidamente vermelha, e a culpa não é da corrupção, mas sim da orfandade programática de um eleitor que deixou de ser representado por seus representantes histórico e pelo fracasso de seu projeto.
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