Câmbio, pra onde vai e seus impactos.

Em um dos capítulos de seu livro Belíndia 2.0 Edmar Bacha cita uma conversa com Alan Greenspan que diz: “O câmbio é uma invenção de Deus para humilhar os economistas”, de fato a constatação de Greenspan é atual pois quaisquer previsões sobre cotações exatas da taxa de câmbio, não passam de mero chutômetro de economistas acadêmicos ou consultores, mas é possível apontar uma tendência.

O Dólar americano, sagrou-se como melhor investimento de 2014 à frente do ouro, da renda fixa, da poupança e muito à frente dos imóveis. Há indicativos de que a valorização do Dólar americano veio para ficar, em primeiro lugar o movimento não se dá exclusivamente frente ao real, dado o risco de deflação na zona do Euro e no Japão e às políticas monetárias expansionistas dos respectivos Bancos Centrais, o Dólar experimenta um fortalecimento frente ao Euro e ao Yene.

É possível neste sentido apontar para uma valorização do Dólar americano muito mais estrutural do que conjuntural, a forte recuperação que os Estados Unidos tem apresentado desde 2013 frente ao resto do mundo, com Europa e Japão em recessão e a forte desaceleração das economias emergentes, baixo crescimento nas asiáticas e crescimento negativo no Brasil e Rússia.

Paralelamente há fatores internos que colaboram com a crença de que a desvalorização cambial não será revertida no curto e médio prazos na economia brasileira, e novos movimentos de elevação do preço do Dólar frente ao Real devem aparecer ao longo de 2015.

O primeiro deles é o atual passivo externo da economia brasileira, com um déficit em transações correntes que já ultrapassa 4% (ou US$90 bilhões) do PIB, num cenário de crescimento negativo do produto e necessidade de se ajustar as contas públicas é inevitável flutuações para cima da taxa de câmbio para equilibrar o Balanço de Pagamentos.

Ademais a inversão dos termos de troca das exportações brasileiras com queda no preço das commodities sobretudo minerais indica para a insustentabilidade da balança comercial brasileira uma vez que as quantidades exportadas se mantém mas os valores das exportações estão caindo levando o país a apresentar déficits comerciais extintos da nossa economia desde 2001, ou seja, o déficit comercial brasileiro que se restringia ao setor industrial agora, dada a queda no preço das agrícolas engloba toda a balança comercial, forçando pressões no câmbio.

A viabilidade de uma manutenção das taxas de câmbio pela conta capital são mínimas, dado o baixo crescimento e as desconfianças sobre a economia brasileira é natural que os investimentos diretos externos diminuam e os investimentos em portfólio cresçam sugerindo uma elevação forte da taxa de juros com risco de aprofundar a recessão no país.

A diminuição do valor do Real frente o Dólar carrega consigo fatores mais negativos do que positivos, a indústria que sangrou nos últimos anos deve poder respirar sem ajuda de aparelhos (incentivos e subsídios paliativos setoriais) como vinha ocorrendo desde 2008, esta observação é importante pois em 2014 o setor industrial retraiu para menos de 13% do PIB, valor semelhante ao que representava nos anos 1950. A nova combinação cambial entretanto não será suficiente para reverter a crise no setor, políticas pró concorrência e pró competitividade são fundamentais neste cenário, caso o contrário será só sujeira jogada pra baixo do tapete.

Entende-se por medidas pró concorrência e competitividade reformas microeconômicas que incentivem a inovação, ampliem e fortaleçam os mecanismos de mercado melhorem o nível de educação e consequentemente de produtividade e fortaleça nossa infraestrutura através de parcerias público privadas e privatizações (sobretudo no setor elétrico que carece urgentemente de novos investimentos). Sem medidas estruturantes capazes de promover a competitividade industrial, não será possível reacender os investimentos industriais mesmo diante do novo valor do câmbio.

Por outro lado os fatores negativos estão postos e são graves, a inflação vai apertar mesmo diante do contracionismo monetário iniciado ano passado pelo Banco Central, as condições dadas do choque de oferta relacionado à escassez de recursos hídricos e de energia apontam para um IPCA acima da meta em 2015, com o enfraquecimento do Real ela deve bater os 8% e recair principalmente sobre as faixas mais vulneráveis da população que utiliza maior parte da renda para transporte, energia e alimentos, ou seja, classes C, D e E. Em outras palavras é evidente que que o custo da desvalorização cambial recairá sobre os ombros do consumidor, trazendo impactos recessivos e aperto no consumo já prejudicado pelo aperto no crédito.

O ideal neste cenário é que o país apresentasse condições saudáveis para se adaptar a mudanças na taxa de câmbio sejam elas de qualquer natureza, ser competitivo em períodos de valorização do real e ter preços relativos alinhados em períodos de desvalorização para blindar seu impacto inflacionário, isto não ocorreu e com certeza a desvalorização estrutural da taxa de câmbio iniciada em 2014, mas persistente em 2015 vai agravar os problemas da economia brasileira.
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