Regras Fiscais e Monetárias em Modelos Estocásticos

Publicado no Jornal Correio Braziliense em 12/02/2023

Entramos no 2° mês de governo e a ausência de propostas contrasta com o esforço de implodir instituições econômicas vigentes. Os principais alvos são o teto de gastos, a meta de inflação e até a autonomia do Banco Central (BC) sob o pretexto de que tanto do teto, quanto a meta não são “exequíveis”. A inexequibilidade estaria relacionada ao seu descumprimento no último biênio, quando tanto o teto foi consecutivamente alterado, quanto a inflação esteve persistentemente acima da meta. Seria o descumprimento de alvos impostos por regramentos macroeconômicos motivo para a sua extinção?

Regras não são temas dogmáticos e aprimoramentos são sempre bem-vindos, no entanto, muitas das propostas de revisão são inconsistentes e só servem às narrativas políticas. Algumas vozes críticas às regras têm olhado exclusivamente para modelos determinísticos que são caracterizados pelo elevado grau de certeza envolvendo suas variáveis. Por exemplo, no modelo Keynesiano simples, o produto da economia Y é uma função do gasto público G e da taxa de juros r, portanto, uma regra que imponha um teto a G, ou uma dose elevada de r, traria sempre implicações limitantes para Y. Dado que o modelo é determinístico há um elevado grau de certeza nas relações entre Y, G e r.

Os modelos de regras contemporâneos, entretanto, são de natureza dinâmica e estocástica. Isto é, contemplam a probabilidade de que a economia seja acometida por choques inesperados que produzem reações nas firmas e famílias. Neste mundo, as regras devem ser previsíveis, críveis e contemplar a reação de instrumentos como G e r, visando otimizar as possibilidades de Y e da inflação π. Neles, a incidência de choques estocásticos se dá de forma probabilística e as relações entre as variáveis são não lineares e permeadas de incerteza.

Em modelos estocásticos, nada garante que um r menor produzirá Y maior, fatores como: i) o formato da curva de Phillips (CPh), ii) a reação da política fiscal, iii) os efeitos sobre a taxa de câmbio e, iv) se a redução de r é esperada ou inesperada, influenciam o resultado em Y. Igualmente a política fiscal está sujeita a incertezas, os efeitos positivos de G sobre Y dependerão: a) da dotação inicial da dívida/PIB, b) das reações da política monetária, c) dos efeitos sobre a renda permanente, dado que gastos públicos maiores hoje sinalizam impostos maiores no futuro o que tornam as famílias mais pobres.

Regras macro são funções de reação que visam dirimir as incertezas dos agentes em contextos permeados pela probabilidade de choques. Uma regra como o teto sinaliza que a carga tributária será mantida a longo prazo. Isso tem implicações expansionistas não desprezíveis em economias Spend-Tax, uma regra que fixe a despesa primária real traz implícito que eventuais alterações na renda permanente não terão causas fiscais, mas flutuarão devido a choques aleatórios como a da Covid-19. Mesmo diante da pandemia, quando o teto foi descumprido, ele foi útil para sinalizar que a expansão sem precedente da despesa e dívida pública seriam temporárias e tão logo o choque se dissipasse, os parâmetros de longo prazo seriam mantidos.

Igualmente o descumprimento da meta inflacionária pelo BCB não tem a ver com a sua inexequibilidade, mas sim com a frequência de choques que acometeram a economia de potencial inflacionário. Aqui há questões adicionais que devem ser consideradas. O clássico trade off entre inflação e PIB inexiste em modelos macroeconômicos pautados por expectativas racionais sendo que prever que redução de juros causaria crescimento do PIB requer uma premissa irrealista sobre a irracionalidade dos agentes. Muitos dizem que a taxa de juros é ineficaz para conter inflação de custos. Porém, em modelos de equilíbrio geral, regras fiscais e monetárias coexistem em sistemas de equações simultâneas com curvas de demanda (IS) e oferta (CPh) cujos choques de custos incidentes sobre a oferta são transmitidos para as variáveis das demais equações mudando o equilíbrio do sistema. A regra monetária não esteriliza os efeitos primários do choque, mas minimiza os secundários, sinalizando que deslocamentos da inflação de sua meta serão temporários.

Em resumo, a frequência de choques estocásticos somado a escolhas políticas ruins têm comprometido o funcionamento das regras macroeconômicas no país. É importante salientar que nada impedirá a incidência de novos choques. Fenômenos geopolíticos, climáticos e naturais com efeitos macroeconômicos têm se tornado cada vez mais frequentes e colocarão à prova os regramentos fiscal e monetário no Brasil, onde as incertezas têm sido potencializadas pela ausência de uma agenda macro estratégica.

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