Nível da Dívida Pública e Crescimento Econômico

Publicado no Jornal Valor Econômico em 23/01/2022

A questão fiscal brasileira ocupou os foros de discussão no debate público e acadêmico ao longo da última década. O pano de fundo do problema fiscal antepõe correntes de pensamento antagônicas, cuja interpretação acerca da necessidade da ação direta do Estado no financiamento e na execução do desenvolvimento seria imprescindível para o salto nacional em direção aos países de renda alta.

Na passagem da década de 2000 para o ano de 2010, esta visão guiou a ação da política macroeconômica. A política fiscal teve um papel central na estratégia de aceleração do crescimento econômico via estímulos de demanda. Tais impulsos se deram dentro e “fora” do orçamento, isto é, por vias de elevação das despesas públicas primárias, mas também por vias do investimento direto de empresas estatais, além de investimentos privados sustentados por um volume inédito de crédito direcionado subsidiado por bancos estatais.

Não obstante o volume de estímulos fiscais, as taxas médias de crescimento do PIB na década de 2010 foram aquém do esperado. O Brasil amarga, entre 2011 e 2021, a sua pior década em termos de crescimento do PIB. Embora o nosso interesse se dê predominantemente sobre a economia brasileira, o problema do baixo crescimento diante de volumes sem precedentes de estímulos fiscais se estende a um conjunto amplo de economias ocidentais.

Esse contexto que concilia elevado endividamento público resultante dos supracitados estímulos fiscais, com baixo crescimento do PIB, em um conjunto relevante de economias, pode ser considerado inédito. Devido a isso, uma nova agenda de pesquisa ganhou volume nos últimos anos, tanto sob aspectos teóricos, quanto empíricos.

Começando pelos aspectos teóricos, não está claro, por exemplo, que um elevado endividamento público exerça efeitos sobre o crescimento econômico. A hipótese da equivalência ricardiana abordada por Barro (1974) parte do princípio de que o contribuinte é indiferente entre ser tributado no presente, ou no futuro. Portanto, dívidas públicas maiores no presente não levariam a maiores perturbações macroeconômicos, pois o custo pagamento dessa dívida no presente vis a vis o futuro é equivalente.

Tal hipótese tem sido, evidentemente, alvo de críticas. Primeiramente, a incidência de serviços da dívida sobre um governo demasiadamente endividado pode tornar o custo de financiamento dessa dívida no futuro, não equivalente em relação ao presente. Ademais, o financiamento dessa dívida é heterogêneo na sociedade. Contribuintes mais novos, com elevado horizonte temporal de vida, tendem a ver o custo de financiamento da dívida pública com menor indiferença vis a vis os contribuintes mais velhos.

Ademais, uma elevada relação Dívida/PIB pode influenciar negativamente as taxas de crescimento econômico por vários canais de transmissão. O mais clássico deles é o efeito que um alto endividamento público produz na taxa de juros, pressionando-a e desestimulando o investimento privado. O efeito crowding out é a substituição da demanda privada, desestimulada por juros excessivamente elevados, pela demanda pública. Um segundo canal de transmissão do endividamento público para o PIB pode ocorrer a partir dos seus efeitos sobre a renda permanente dos agentes. Em outras palavras, se a relação Dívida/PIB é elevada, os agentes esperam ajustes fiscais no futuro, isso afeta a sua renda esperada e, consequentemente, seu consumo no presente.

Já sob aspectos empíricos, evidências passaram a proliferar a partir da polêmica contribuição de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff (2010), intitulado “Growth in a Time of Debt”. Os autores encontraram um limiar de 77% na relação Dívida/PIB e a taxa de crescimento econômico para uma amostra relevante de países. Os resultados foram contestados por Herndon; Ash e Pollin (2014) em um artigo réplica denominado “Does High Public Debt Consistently Stifle Economic Growth”, que replicaram o teste empírico de Reinhart e Rogoff, mas não encontraram tal ponto de limiar. O fato é que, desde a contribuição de Reinhart e Rogoff , outros autores se debruçaram nesta investigação, com resultados sempre controversos, dependendo do período estudado, da amostra de países observados e do método utilizado.

Para o Brasil, nossas estimações a partir de econometria de séries temporais encontraram uma relação não linear entre o endividamento público e a taxa de crescimento do PIB. Uma análise preliminar dos dados indicou que períodos de dívida pública elevada são acompanhados por taxas de crescimento econômico menores. Isso, no entanto, não indica relação de causa e efeito, já que um maior endividamento público pode simplesmente indicar que a política fiscal tenha acomodado um período recessivo ao invés de causá-lo.

Os resultados econométricos dialogam com os obtidos pela literatura internacional, ao indicarem com limiares de 84% do PIB para o nexo entre a Dívida Bruta (DBGG) e a taxa de crescimento do PIB e 57% para o nexo relativo à Dívida Líquida (DLSP). A presença de um ponto de limiar indica que os efeitos de uma variável sobre outra muda no ponto de quebra. Isso pode estar indicando que, se a DBGG e a DLSP estiverem em nível maior do que os pontos de limiares, elas podem estar exercendo efeitos negativos sobre o crescimento econômico do país.

Num outro processo de estimação econométrica, estabelecemos três patamares para a relação dívida pública (baixo, médio, alto) e acompanhamos o comportamento dos coeficientes estimados. Os resultados evidenciaram que a mudança de patamar de uma menor relação Dívida/PIB para um maior culminou em redução do crescimento econômico brasileiro.

Como dito, os resultados obtidos para o Brasil dialogam com a literatura internacional e indicam que a sustentabilidade fiscal é condição sine qua non para o restabelecimento do crescimento econômico e que estímulos fiscais que visem acelerar a trajetória de crescimento do PIB podem ser contraproducentes para patamares elevados da dívida pública.

Sem dúvida, essa discussão para o caso brasileiro se mostra atual e pertinente, dado o já alto patamar de nossa dívida pública e os desafios fiscais que se mostram presentes, principalmente em épocas de transição de governos.

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