Publicado no Jornal Valor Econômico em 15/08/2022
Contrações monetárias têm sido empreendidas pelos Bancos Centrais (BCs) nos EUA; no Brasil e na Zona do Euro. O contexto das elevações das taxas de juros é a persistência da inflação que atingiu patamares inéditos nos últimos 40 anos. Em 1977, os Nobel de economia Finn Kydland e Edward Prescott desenvolveram o conceito de viés inflacionário. Em modelos macroeconômicos dinâmicos, há sempre o incentivo para que os BCs atuem de maneira discricionária visando expansões de curto prazo em variáveis reais, particularmente o produto e o emprego.
O canal de acesso pelo qual o lado monetário da economia afeta o lado real é a existência da rigidez nominal. Como bem relatado por Michael Woodford em seu livro Interests and Prices, a rigidez nominal ocorre porque firmas reajustam seus preços em um determinado período t e decidem levá-los inalterados, na ausência de novas informações, para períodos seguintes. Portanto, como os preços estão rígidos a curto prazo, os BCs teriam o incentivo a elevar discricionariamente a oferta de moeda, reduzindo as taxas de juros a fim de estimular a expansão de curto prazo do produto. Os economistas chamam a relação entre inflação e hiato do PIB de Curva de Phillips.
A longo prazo, no entanto, não há rigidez nominal e, como bem salientado pelo também Nobel Robert Lucas, as firmas mudam seus comportamentos diante de uma nova informação advinda da política monetária. Portanto, estímulos monetários são incapazes de afetar sistematicamente o lado real da economia e a longo prazo, o produto e o emprego retornam para suas tendências naturais e os preços sobem.
Devido ao problema da inconsistência dinâmica da política monetária, um arcabouço de regras foi desenvolvido para balizar as ações dos BCs. Primeiramente, os BCs ganharam uma certa autonomia operacional que os blindassem de pressões políticas, de forma que seus diretores não podem ser trocados mesmo que a condução da política monetária contrarie os objetivos mais amplos do governo. Em segundo lugar, foram instituídos os regimes de metas de inflação, neles, os BCs se comprometem com um alvo de inflação por vias de uma função de reação e, diante de choques adversos que desloquem a inflação da meta, movem a taxa de juros de curto prazo visando guiar expectativas de que a longo prazo a taxa de inflação será igual ao seu alvo. Instrumentos não contracionistas como comunicados; atas; notas e forward guidance compõem as armas dos BCs contra a inflação.
O problema dos BCs é, portanto, um problema de otimização dinâmica. O canal de transmissão da política monetária para a inflação em um regime de metas é a expectativa. Porém, para que este canal funcione em plenitude, é necessário que os BCs tenham credibilidade, ou seja, que os agentes econômicos acreditem que os BCs farão o que estiver ao alcance para mitigar desvios da inflação em relação a sua meta. Em um vocabulário não técnico, o controle inflacionário consiste em um exercício de convencimento por parte dos BCs.
A credibilidade da política monetária irá determinar o formato da curva de Phillips na economia. Quando os BCs têm elevada credibilidade, firmas reajustam seus preços baseadas na âncora monetária, que em um contexto institucional regido por metas inflacionárias, é a própria meta pré-anunciada. Neste caso, predomina na curva de Phillips o componente forward looking, termo utilizado na literatura para se referir ao comportamento das firmas que reajustam preços com base na inflação futura esperada.
Quando a inflação, no entanto, persiste longos períodos acima da meta, como é o caso recente da Europa; EUA e Brasil, a credibilidade dos BCs sofre abalos e as firmas deixam de remarcar os preços olhando para a expectativa futura de inflação que é atrelada a meta, passando a reajustá-los olhando a inflação corrente. Em termos mais técnicos, o componente backward looking de curva de Phillips passa a prevalecer sobre o forward looking e é formada uma certa inércia inflacionária. Neste caso, não mais a meta dos BCs, mas sim a inflação corrente passa a orientar as expectativas de inflação futuras. Isso é o que os economistas chamam de desancoragem de expectativas.
A diferença entre os supracitados formatos da curva de Phillips dá informações acerca do custo da desinflação. Se a política monetária é crível e os agentes creem na meta, os BCs podem desinflacionar a economia usando seu poder de dissuasão tais como forward guidance. A inflação neste primeiro caso volta para a meta sem que sejam verificadas maiores perdas em termos de emprego e produto. Mas se a política monetária não é crível, os BCs só podem reduzir a inflação na economia levando a política monetária para o campo contracionista, o que significa elevar a taxa real de juros acima da taxa neutra de juros (aquela que equilibra os lados da demanda e da oferta na economia).
O contexto atual da inflação em boa parte do mundo, sugere que o processo de desinflação será doloroso. É difícil saber ex ante o tamanho da dose de contração monetária que será necessária para reancorar as expectativas e fazer a inflação convergir novamente para a meta. Tão pouco é possível vislumbrar, ainda, o fim do processo de altas de juros empreendido em parte do mundo pelos BCs. Mas aparentemente, a hipótese de pouso suave (soft landing) das economias ocidentais tem sido relegada ao segundo plano. Ao contrário, o que se especula fortemente para o ano de 2023, é uma possível recessão advinda dos movimentos de elevações de juros por parte dos principais BCs do mundo.
Uma outra lição que podemos extrair dessa conjuntura, caso a recessão prevista de fato aconteça, é que talvez a política monetária esteja acumulando um volume elevado de tarefas. Os BCs assumiram as funções de: i) estabilizar a inflação; ii) suavizar o ciclo econômico; iii) equilibrar os preços nos mercados de capitais e de câmbio; iv) auxiliar a política fiscal por vias do gerenciamento da dívida pública.
Sobram missões para os BCs e faltam instrumentos. Talvez seja o momento de pensar a política monetária em um contexto de melhor coordenação com as demais políticas macro e microeconômicas. As políticas fiscal; cambial e regulatória têm um papel a desempenhar no auxílio do BC em suas funções.
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