Publicado no Jornal Correio Braziliense em 25/10/2021
O ano de 2021 caminha para o final e as projeções mais recentes apontam para um cenário bastante pessimista, o Brasil terá um longo período com a combinação indesejada de baixo crescimento do PIB e elevada inflação. Muitos fatores podem explicar essa deterioração macroeconômica súbita, que se deu em um intervalo de poucos meses. A economia brasileira começou 2021 com previsões demasiadamente otimistas, a Pesquisa Focus, divulgada semanalmente pelo Banco Central (BC), apontava em janeiro previsões medianas de crescimento elevado, inflação próxima ao centro da meta e taxa Selic em torno de 3,25% ao ano. O que aconteceu para que poucos meses depois o país esteja aprisionado em um debate sobre estagflação?
É possível começar constatando que não é possível jogar a conta da deterioração macroeconômica exclusivamente nos modelos mal calibrados do começo do ano. Inúmeros erros de políticas acometeram o país ao longo de todo o ano, a começar, os erros no enfrentamento da pandemia. A sabotagem das medidas de isolamento social quando necessárias e o atraso da vacinação fizeram que os efeitos do COVID-19 se prolongassem no tempo, levando às quarentenas intermitentes que retardam a recuperação e o emprego, além do atraso na vacinação causou um prolongamento excessivo de medidas de socorro aos vulneráveis como auxílio emergencial.
Outros erros se somaram aos erros da pandemia. Como não mencionar o fato de o Governo Federal ter aprovado a sua Lei Orçamentária Anual (LOA) apenas em abril de 2021? O impasse que atrasou a construção da peça orçamentária se deu envolvendo a dificuldade de conciliar as emendas paroquiais do baixo clero do Congresso Nacional, obstruídas pelo teto de gastos, que aparentemente está com os dias contados no Brasil. O consenso político que parece cristalizado nos interesses dos poderes executivo e legislativo (predominantemente da Câmara dos Deputados), é que uma regra fiscal fruto de um intenso esforço legislativo no passado e muito importante para disciplinar o gasto público, sobretudo obrigatório, pode ser desperdiçada para o atendimento de interesses eleitorais de curtíssimo prazo dos mandatários das duas casas da praça dos três poderes.
Mas não se enganem, o populismo carrega em seu DNA o gene da sua autodestruição. Em clássico ensaio de 1990, Rudiger Dornbush e Sebastian Edward narram as fases do populismo na América Latina, o texto tem em determinados trechos, aspectos de profecia. No Brasil, as consequências parecem não estarem dispostas a esperar a próxima legislatura para cobrar a fatura do voluntarismo irresponsável que ocupa Brasília. A inflação chegou aos dois dígitos e tem exercido um impacto avassalador na renda das famílias que tendem a radicalizar contra os responsáveis.
O BC embora sinalize que fará o “possível” para guiar esta inflação novamente para a meta, tem poucos instrumentos para isso em um cenário cuja política fiscal não colabora. Voltamos ao teto de gastos e aos interesses paroquiais dos populistas de Brasília. No afã de sinalizar medidas para aliviar o sofrimento da carestia provocado pela inflação, a Câmara tem elaborado propostas que fragilizam o equilíbrio fiscal, desancoram as expectativas e alimentam a própria inflação que não cede apesar de toda contração monetária em curso patrocinada pelo BC.
Inflações elevadas e persistentes são frutos de maus fundamentos macroeconômicos e também da falta de credibilidade do governo de plantão. Desde o Plano Real, os períodos de inflação estável têm estado atrelados à alguma âncora macroeconômica. Entre 1995 e 98, esta âncora foi o câmbio fixo e em paridade com o dólar. Após 1999 e até o desastre da Nova Matriz Heterodoxa em meados de 2012, os juros e as metas de inflação funcionaram como âncora. Após 2016, o regime de metas que ancorava as expectativas de inflação ganhou ajuda da política fiscal por vias do teto de gastos que deu ao país uma esperança quanto ao equilíbrio de longo prazo das contas públicas.
Executivo e legislativo têm sabotado continuamente o teto de gastos e o Brasil todo está colhendo as consequências na inflação cheia do IPCA, nos índices de difusão de preços e nos núcleos de inflação que têm elevado o custo de vida em todo o território nacional. Uma consequência secundária da irresponsabilidade é a política monetária extremamente contracionista que o BC terá que empreender para atenuar os efeitos do populismo político e fiscal sobre os preços. É preciso reancorar a macroeconomia do país.
Comentários