Durante algumas vezes, em meus canais de mídia social, alertei para uma eventual formação de bolha, no mercado de criptomoedas de forma geral, e do Bitcoin, de forma específica. Evidentemente que identificação de qualquer bolha, é sempre controversa, pois os fatores que a caracteriza, são subjetivos e difíceis de serem vistos no calor do momento, quando o preços do ativo está se elevando e, portanto, provendo lucro real aos participantes deste mercado. Não foi diferente com a bolha imobiliária, cujo os participantes do mercado imobiliário quase sempre negavam a existência de uma sobrevalorização dos imóveis, acima do que seria natural.
A identificação de uma bolha financeira, imobiliária ou no mercado de criptomoedas, requer em primeira instância, a definição do que significa uma bolha em economês. Podemos considerar como bolha, todo o processo de descolamento entre o valor e o preço de um determinado ativo. E ela sempre se dá em no mínimo duas fases: i) a fase expansiva, quando o preço cresce acima do valor do referido ativo, neste caso diz-se que a bolha está inflando e, ii) a fase reversiva, quando a bolha estoura e o preço reduz rapidamente, convergindo novamente para o seu valor.
No mercado de criptomoedas, tal como em qualquer mercado, a grande dificuldade que inviabiliza a percepção da bolha, consiste na mensuração do valor, e portanto, se os movimentos ascendentes consistem em mera especulação de preços ou, se há um processo de criação de valor intrínseco a estas elevações. Dada esta dificuldade, como verificar a existência de uma bolha? Segundo Oliver Blanchard do FMI, uma bolha se dá quando a percepção de uma provável elevação futura do preço de um ativo, provoca o crescimento da demanda no presente pelo mesmo, causando de fato, uma alta dos preços deste ativo, trata-se de uma profecia auto realizável, porém de curta duração, uma vez que novas altas de preços só são possíveis enquanto existir neste mercado, a crença no lucro econômico oriundo da aquisição deste tipo de investimentos. Já o Nobel de Economia Robert Shiller, autoridade mundial em bolhas, escreveu em artigo recente no The New York Times, que as altas relativas ao Bitcoin se deram sem que houvesse nenhuma nova notícia que fundamentasse.
Voltando ao Bitcoin, por que eu, e tantos outros economistas acreditávamos na existência de uma bolha? A identificação de uma alta de preços acima do valor, exige de nós economistas, um conhecimento razoável sobre microeconomia, e portanto partimos de algumas hipóteses: i) Os agentes são racionais e bem informados, buscam alocar seus investimentos em modalidades que apresentem maior liquidez, rentabilidade e menor risco. ii) Os agentes poupadores alocam sua riqueza financeira entre títulos e moeda, sendo que o preço que irá determinar a proporção sobre cada um, é exatamente a taxa de juros que remunera os títulos. Ou seja, se os juros forem baixos, os agentes irão reduzir sua participação em títulos a portarem maior participação em moeda, e vice e versa.
Ora, se as nossas premissas forem verdadeiras, por que agentes poupadores racionais e bem informados iriam preferir alocar parte de sua riqueza, em criptomoedas que não pagam juros e tem baixa liquidez, ao invés de títulos com alta liquidez e com remuneração positiva? O Nobel de economia Joseph Stiglitz defendia que a demanda por criptomoedas se dava graças ao anonimato que elas garantem aos seu portador. Faz todo o sentido, mas creio que a demanda por bitcoin e afins se deu pela crença na valorização futura das criptomoedas, e a vontade de produzir lucro econômico positivo de curto prazo em parte dos investidores. Tudo isto em um cenário de altíssima liquidez internacional e com taxas de juros praticadas pelos bancos centrais dos países desenvolvidas próximas de 0%.
Keynes já alertava para a existência de uma finalidade especulativa na demanda por moedas. Em um cenário econômico internacional como o supracitado, é natural que os investidores mudem seu custo de oportunidade entre auferir uma remuneração de 0,25% ao ano em um título de dívida do FED, ou auferir um ganho de 100% especulando com criptomoedas. O fundamento microeconômico desta decisão é bastante claro para mim, e a soma de um cenário favorável de liquidez com a busca por rentabilidade ilimitada, atiçou o apetite ao risco de parte destes investidores, expondo-os desnecessariamente ao risco e, promovendo uma alavancagem considerável do Bitcoin cuja cotação chegou aos impressionantes 20.000 dólares.
Em que pese a tecnologia Blockchain seja uma incontestável revolução, irreversível no meu modo de pensar. A existência de uma bolha no mercado de criptomoedas, não foi diferente de outras bolhas nos mercados real e financeiro, isto por que as revoluções tecnológicas não mudam o comportamento dos agentes, que buscam sempre maior rentabilidade e menor risco. A ignorância quanto aos fundamentos microeconômicos básicos, levou aos investidores a negligenciarem os riscos desta operação, motivados pela ganância e pela crença ingênua que uma moeda alternativa poderia fazer frente à supervisão dos Bancos Centrais, em um mundo com graves problemas de assimetrias de informação.
Mera tolice, bastou alguns pequenos movimentos no sentido de enxugar a liquidez internacional, e o Bitcoin tem apresentado uma melancólica queda, operando hoje próximo aos 6200 dólares, sim! Uma desvalorização de quase 40% frente ao seu valor de pico. Enfim, não faltou quem avisasse e sugerisse isto, e agora só resta acompanhar o efeito manada natural de quem quer proteger sua riqueza vendendo estas criptomoedas, antes de seu completo esfacelamento.
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