Inflação no dobro da meta

O IPCA divulgado pelo IBGE referente ao mês de maio nos trouxe uma forte preocupação com relação a um dos principais problemas macroeconômicos do país, à revelia de toda recessão que está sendo produzida por uma combinação política fiscal e monetária restritivas não estão sendo suficientes para frear a inflação que permanece em níveis demasiadamente elevados e com viés de alta para o final do ano.

O índice oficial que orienta a política monetária no regime de metas inflacionárias, o IPCA, apresentou no mês de maio o incômodo resultado de 0,74%, na prática consiste no dobro da média (0,42%) histórica apurada para meses de maio pelo IBGE ao longo do primeiro mandato da presidente Dilma (2011 – 14) que aliás já havia sido bastante tolerante com uma inflação elevada.
No acumulado do ano, a notícia ainda é mais preocupante, de janeiro a maio a inflação brasileira ultrapassou a meta fixada para o ano todo (4,5%) e já chega a 5,23%, remetendo a um cenário melindroso de gestão da economia conhecido na literatura como ESTAGFLAÇÃO – que na prática consiste numa combinação perversa de recessão, desemprego com inflação elevada, provocando uma dupla perca de bem estar na economia.
Ao analisar o índice anualizado (com dados dos últimos 12 meses) o IPCA acumula 8,47% frente aos 8,23% apresentados em abril, e ligeiramente abaixo do dobro do teto da meta oficial. Num país onde recorrentemente são criticadas por setores da heterodoxia apresentar taxa de juros absolutamente díspares com restante do mundo, temos agora uma nova jabuticaba para qual podemos nós economistas debruçar sobre, uma inflação neste nível não encontra semelhança nem nos países avançados, tampouco nos países emergentes ou ainda a nível de OCDE.
Os analistas do mercado financeiro projetam uma inflação para este ano de 8,23%, este escriba se mantem um pouco mais pessimista e enxerga um IPCA acima de 9% como aliás já tem ocorrido em algumas regiões metropolitanas pelo país. Se nos próximos 7 meses do ano, o índice apresentar um comportamento médio de 0,68% (modesto se comparar com a média dos primeiros 5 meses), fechamos 2015 com inflação de dois dígitos (10%).
Um desarranjo desta magnitude não é visto na economia brasileira desde antes do Plano Real e se, 2015 é um ano perdido em termos de inflação, podemos esperar que em 2016 esta ceda e retorne para a meta? A resposta é dificilmente, por três razões principais:
1° – Mantida a regra de reajuste do salário mínimo que indexa este preço chave na economia à inflação do ano anterior (maior do que 9%) e ao PIB de dois anos anteriores, (no caso de 2016 será indexado ao PIB de 2014 que foi 0,1%) teremos ano que vem um reajuste do mínimo de pelo menos 9%, sem portanto ganhos reais. Isto trará para 2016 um mecanismo de inércia inflacionária deste ano que irá contribuir para a manutenção de índices elevados.
2° – Há ainda a combinação em 2015 de uma inflação elevada – muito concentrada nestes primeiros meses em preços administrados como energia, petróleo (e consequentemente etanol), além de água – com crescimento negativo do produto, implica que haja no presente momento um represamento de margens, ou seja, as empresas não estão repassando – pelo menos parcialmente, sob pena de perder poder de mercado, os reajustes (dos preços administrados) para seus preços, o que intuitivamente indica que tão logo a economia dê sinais de recuperação, o que não deve ocorrer em 2015, mas pode começar a se manifestar no segundo ou terceiro trimestre de 2016, haverá reposição de margens e a inflação tenderá a persistir elevada.
3° – Ademais, há ainda a questão do câmbio, elemento que exerce forte influência sobre a inflação brasileira dado a crescente relevância que as importações – principalmente de bens intermediários – tem assumido no total do consumo no país, hoje o coeficiente de importações da economia brasileira aponta para mais de 1/5 de importados no total do consumo, seja intermediário, seja final, o que naturalmente expõe mais a inflação doméstica à comportamentos da taxa de câmbio.
Sobre isto, vale a pena nos debruçar um pouco mais, pois após bater próximo de R$3,30 entre fevereiro e março, a taxa nominal de câmbio recuou para próximo dos R$3,10, as expectativas do mercado, entretanto apontam para uma taxa superior aos R$3,20 no final de 2015 e de R$3,30 para o final de 2016. Há fortes motivos para acreditarmos em uma desvalorização maior.
1° O país apresenta um déficit em transações correntes de aproximadamente 4% do PIB, 2° Em algum momento no horizonte de médio prazo o FED deve iniciar a retirada dos estímulos concedidos durante a crise, ambos os fatores deverão pressionar a taxa de câmbio, o primeiro devido aos maus fundamentos internos, o segundo devido à retração da liquidez internacional, 3° a política cambial produz um considerável impacto nas contas públicas que estão em fase de ajuste, o que implica que a manutenção artificial do nível do câmbio, tal qual observado nos últimos anos, se não cessar deve diminuir.
Há portanto, elementos empíricos e teóricos que nos tornam céticos quanto ao retorno, pelo menos a médio prazo da inflação brasileira em níveis civilizados, é possível esperar em 2016 uma inflação ainda elevada, o que remete a uma ação ainda mais rigorosa do Banco Central por mais um longo período, estendendo também a recessão, foi uma nítida opção por um horror sem fim em detrimento de um fim horroroso.
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