O Golpe das Diretas

Publicado no Jornal Diário do Comércio e Gazeta em 26/06/2017
É consensual que o presidente Michel Temer, perdeu as condições de liderar o país, as gravações que vieram a público e serviram para tornar conhecido o que todos já suspeitavam, inviabilizaram a permanência no cargo. Até por uma necessidade econômica, cuja permanência do presidente levaria a economia para o terceiro ano consecutivo de recessão. Dados estes fatos, é importante começar a pensar o day after, ou uma forma organizar uma sucessão dentro da civilidade.

 

A primeira variável a se saber é o que diz a constituição federal. Neste aspecto ela é clara em seu artigo 81, quanto a vacância do cargo de presidente e vice, por quaisquer circunstâncias, no segundo biênio do mandato. Dizendo que assume interinamente o presidente da Câmara dos deputados, que deve de organizar eleições indiretas em 30 dias, feitas em sessão conjunta da Câmara e do Senado, cujas candidaturas devem respeitar as regras gerais deste tipo de eleição. Neste caso o presidente eleito apenas conclui o mandato em curso.

 

Dito isto, dado que existe uma grave crise em curso, é igualmente verdade que existe uma saída legal para ela, sendo possível a escolha de um presidente, dentro de respeito às regras e sem rupturas, comuns de qualquer democracia. A partir da compreensão das regras do jogo, levantam as vozes que clamam por muda-las, conforme conveniência. Neste contexto surgem as propostas ilegais, heterodoxas, casualistas, simplistas, dotadas de um arsenal retórico sedutor, porém cujas consequências são indesejáveis.

 

Um exemplo deste tipo de proposta são as eleições diretas. O primeiro problema deste golpe, está no seu fundamento retórico, uma vez que o argumento que a embasa é de que o povo não pode ser alijado do processo de escolha do presidente. Na prática o funcionamento das democracias representativas é este, e por mais que não se goste das decisões tomadas pelo legislativo, ele existe para toma-las, dentro de parâmetros de legalidade, e todos os membros do parlamento foram eleitos pelo voto. Se as escolhas, devem partir da consulta ao conjunto total da sociedade, desconsiderando a lei vigente, qual a razão de existir um congresso?

 

Há outros fatores que inviabilizam a adoção de eleições diretas para a presidência: 1° os custos, a constituição acertou em limitar as eleições diretas apenas para o primeiro biênio do mandato, já que este é um processo caro, envolve mobilização do judiciário, forças armadas, polícias, órgãos de fiscalização, etc. 2° este é um processo demorado, no sentido de que existe um tempo para que as candidaturas se apresentem ao eleitor, dando opção de escolha, neste aspecto, a proposta de eleições diretas num cenário como este é um golpe, que visa beneficiar candidaturas já colocadas, como Lula. 3° o custo em termos de insegurança jurídica gerada da mudança da regra do jogo.

 

Há ainda uma quarta questão operacional. Supondo a hipótese mais rápida de vacância, onde a chapa Dilma/Temer é cassada no julgamento do TSE, e não recorram a julgamento no Supremo, a vacância se daria em junho, neste intervalo o congresso precisa aprovar uma PEC (o que exige maioria qualificada de 2/3), aprovando na CCJ e em dois turnos na Câmara e no Senado, um processo como este, demora em média 5 meses entre a sua concepção e a aprovação, na melhor das hipóteses, em novembro. Aprovado isto, há o período de convenções partidárias e indicação das candidaturas, que se daria em dezembro, ou seja a eleição se daria, de todo jeito, no primeiro semestre de 2018 (ano em que já ocorreria de toda forma a consulta eleitoral).
Uma outra questão deve ainda ser levantada, o calendário seria antecipado também para as eleições legislativas e executivas para os Estados? Ou em caso de aprovação desta PEC se teria no país duas eleições em um ano? Tudo isto não está claro. Portanto, além de inviável, a adoção de eleições diretas é desnecessária. Só serve de palanque para grupos políticos desgastados, omitam seu vácuo programático através do discurso oportunista e golpista, seguir a constituição é o melhor caminho e é isto que vamos defender.
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