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Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 27/11/2024
No dia 16/10 foi assinado por economistas uma carta aberta ao Conselho Monetário Nacional que pedia a revisão da meta de inflação dos atuais 3% para 4%. O artigo, traz uma constatação interessante sobre a dinâmica da inflação brasileira que mesmo hoje, 30 anos após o plano Real, possui ainda um elevado componente inercial. Em outras palavras, persiste no país um elevado grau de indexação de preços que carrega a inflação do passado para o presente, dificultando a operacionalização do Regime de Metas de Inflação (RMI) nestes 25 anos.
O argumento dos autores é que essa característica da inflação brasileira torna a busca de uma meta de inflação de 3% inviável mesmo na presença de taxas de juros “elevadíssimas”. Sustentam, ainda, que a política monetária só poderia convergir a inflação para uma meta de 3% a custa de sacrifícios excessivos em termos de desemprego. Portanto, uma meta de inflação de 4% poderia se adequar mais à realidade do país, permitindo que o BC adote políticas monetárias mais frouxas.
Diante disso, gostaria de estabelecer alguns pontos. Em primeiro lugar o diagnóstico acerca do elevado grau de indexação da economia brasileira é correto. Esse é um problema que desafia a operacionalização da política monetária cujas doses de juros não são neutras em termos dos preços relativos da economia. Suponha uma economia com apenas duas firmas, uma marca preços baseada na inflação acumulada anterior, a segunda baseada na meta. Ao submeter essa economia hipotética a um choque que amplie a inflação no curto prazo, a resposta do BC tenderá a afetar mais a segunda firma do que a primeira. Por isso, na visão dos autores, uma meta mais alta permitiria a construção de um ambiente macroeconômico capaz de conciliar estabilidade de preços com juros menores e sem maiores custos para a firma 2.
Começo as divergências pela parte da indexação e, na sequência, tratarei da política monetária. A indexação de preços é um fenômeno tácito ou formal pelo qual agentes econômicos buscam preservar sua renda relativa recompondo altas de preços anteriores (o caso da firma 1). Sob tal perspectiva, perseguir e preservar uma meta de inflação mais baixa, pode, a longo prazo, colaborar com uma menor indexação, à medida que uma inflação corrente mais baixa torne a firma 1 indiferente entre escolher seu preço baseado na inflação passada vis a vis na meta.
Além disso, parte da indexação brasileira é formal, isto é, alimentada por normas legais que preveem que a inflação em dado período seja repassada para preços públicos e privados. Assim sendo, uma forma de lidar com a indexação seria por vias dos preços públicos. Uma estratégia gradual para lidar com o problema da indexação seria mudar o indexador de um conjunto de preços públicos da inflação acumulada em 12 meses, para a meta de inflação. Para que não haja perdas relativas associadas a essa estratégia, isso não precisa ser feito já, quando a inflação corrente ainda flutua acima da meta, mas sim quando a convergência para a meta, ocorrer.
Ademais, do ponto de vista da taxa de juros, temo que uma revisão da meta produza uma política monetária ainda mais dura. Ao se propor mudar o valor de uma âncora macroeconômica é preciso ter em conta que essa âncora já existe sendo referência para um conjunto de decisões privadas. Voltemos ao caso supracitado das duas firmas, ainda que parte da inflação brasileira se deva a preços indexados, outra parte condiciona suas decisões de preços olhando para frente, possivelmente, para a meta, ou algo derivado dela.
Revisar a meta de inflação para cima, além de não resolver a indexação, produziria uma onda de revisões para cima de preços neste segundo grupo de firmas. Isso tenderia a elevar a inflação acumulada, fortalecendo ainda mais o comportamento indexador do primeiro grupo. O resultado ex post dessa estratégia seria um viés inflacionário definitivo na economia, elevando os custos para o BC convergir a inflação para a nova meta e, provavelmente, produzindo uma política monetária menos rígida.
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