Publicado com Daniel Caixeta Andrade no Jornal Valor Econômico no dia 03/06/2024
A tragédia climática envolvendo o sul do Brasil revela uma realidade que não pode continuar sendo negligenciada pelas elites e pelas autoridades políticas brasileiras. O Brasil tem muito a contribuir com o mundo na agenda climática que deverá ocupar o centro do debate econômico deste século. O desafio que se impõe talvez seja o mais decisivo para a perpetuação da espécie humana no planeta, afinal, como garantir que a humanidade eleve o seu padrão de consumo preservando os recursos físicos disponíveis no planeta?
Até recentemente parte expressiva da literatura especializada supunha que tais objetivos seriam inconciliáveis e que submeter os recursos planetários a uma trajetória sustentável só seria possível em um contexto de redução dos padrões de consumo mundial. Isso evidentemente cria um problema de economia política uma vez que existem, no Brasil e no mundo, camadas espessas de pessoas com padrão deprimido de consumo, com aspirações legítimas de melhorá-lo.
Embora seja uma temática bastante recente, os economistas têm feito esforços para incorporar variáveis ambientais em modelos macroeconômicos visando lidar com a questão acima. É preciso salientar, no entanto, que pouco ainda se sabe sobre essas temáticas quando estudadas em conjunto e que incertezas ainda pairam. Por exemplo, sabemos que o planeta possui um limite físico que se ultrapassado poderia gerar uma hecatombe ambiental com sérias ameaças à espécie. O nome dado na literatura à exaustão desse limite é “overshoot ambiental”. Porém, convém salientar que a ciência ainda não tem uma resposta exata, tão pouco unânime, sobre qual seria de fato esse limite, já teria o planeta ultrapassado esse limite e a catástrofe no Rio Grande do Sul seria um sintoma do que nos espera nas próximas décadas? Estaríamos próximos a esse overshoot? Ou estaríamos ainda distantes desse limite, podendo desfrutar de um “environmental budget” que dá à espécie humana condições de continuar empregando modos predatórios de produção que aceleram a exaustão dos recursos ambientais?
Como dito, não há uma resposta a essa pergunta, porém, a presença de incertezas deve servir para nos colocar em estado de maior precaução. Na literatura econômica, variáveis ambientais entraram primeiramente nos modelos macroeconômicos por vias da abordagem de longo prazo, com a incorporação de emissões de poluentes em modelos calcados por uma função neoclássica de produção. Ainda há poucas contribuições no sentido de averiguar os efeitos de curto prazo da poluição. Neste sentido, buscando verificar os efeitos da poluição sobre o ciclo de negócios e o nível de preços, construímos e estimamos modelos de equações simultâneas ampliando o já consagrado modelo Novo Keynesiano de Clarida et al. (1999).
No seminal paper dos autores, o Banco Central faz política monetária a partir de uma regra wickseliana (regra de Taylor) observando um duplo mandato, isto é, persegue simultaneamente metas de inflação e suavização de ciclos de produto. Essa economia possui, ainda, um lado da demanda dado pela curva IS e o lado da oferta dado por uma Curva de Phillips (CPh) híbrida – cuja inflação é determinada por componentes backward e forward looking. Nosso trabalho foi incorporar nessa abordagem clássica, uma curva dinâmica de equilíbrio ambiental aos moldes do proposto por Salomão et al. (2019). Os autores, estilizaram um modelo matemático cuja resiliência dos ecossistemas é afetada negativamente por choques de poluição e positivamente por choques de produtividade advindos do progresso tecnológico ou de ampliação da competição no mercado. A política macroeconômica também exerce efeitos nesse modelo.
A estimação de um modelo dessa natureza esbarra em uma série de percalços metodológicos. Em primeiro lugar, a resiliência dos ecossistemas é um conceito aplicado a nível global, porém a abordagem macroeconômica de curto prazo, que se debruça sobre as flutuações do emprego e da renda, bem como as respostas de política macroeconômicas a elas são fenômenos tipicamente locais. Portanto, tivemos que optar sobre qual estratégia seguir e aplicamos o conceito de resiliência (e overshoot ambiental) ao caso brasileiro. Dito isso, esbarramos no segundo problema metodológico, não existem séries de dados sobre resiliência dos ecossistemas, nesse caso, como estimar o modelo? Contornamos essa dificuldade simulando três cenários possíveis para a resiliência:
1°) Overshoot ambiental – ou seja, as emissões de poluentes (gases CO2) se encontram acima do limite de resiliência.
2°) Pré-overshoot – caracterizado por emissões de poluentes no limite do environmental budget (resiliência).
3°) Environmental Budget – quando as emissões de poluentes se encontram abaixo do limite de resiliência e há espaço para atividades econômicas degradantes.
Apesar dos percalços metodológicos nossa pesquisa traz elementos interessantes para o debate. Em primeiro lugar, choques de poluição exercem efeitos prejudiciais à atividade econômica significativos nos cenários de overshoot e pré-overshoot, indicando que no limite da resiliência choques de poluição causam ciclos recessivos. Choques tecnológicos observados pela produtividade na indústria exerceram efeitos positivos sobre a resiliência ecossistêmica em quase todos os modelos estimados, o mesmo aconteceu com os choques monetários que indicaram que a política monetária não é neutra do ponto de vista do equilíbrio ambiental.
Porém, há uma diferença qualitativa não trivial no tocante aos choques tecnológicos vis a vis os monetários. Os primeiros contribuem para a resiliência ecossistêmica conciliando com o objetivo de crescimento econômico, enquanto o segundo alcança esse objetivo ambiental sacrificando a atividade, logo é tida no nosso modelo como uma solução second best.
Nossas conclusões em termos de policymaking são inequívocas, o Brasil precisa de reformas microeconômicas que incentivem ganhos de produtividade substituindo métodos sujos de produção por uma economia de baixo carbono. Temos ao nosso favor abundância de energia limpa e condições de ampliar uma oferta energética de baixo carbono como poucos outros países do mundo. Se essa agenda for levada adiante, dada a significância dos choques de poluição sobre o lado da demanda da economia brasileira, ganhos de produtividade que reduzam as emissões tenderão a exercer efeitos cíclicos bastante positivos sobre a atividade.
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