Prefeitos não deveriam travar a Reforma Tributária

Publicado no Jornal Valor Econômico em 27/03/2023

Com o avançar dos meses o governo tenta avançar sobre a sua principal agenda, a reforma tributária. Se ela for aprovada e o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) substituir o conjunto de impostos indiretos hoje em voga no país é possível que o potencial de crescimento da economia se eleve. Isso porque assuntos tributários têm fortes implicações do lado da oferta da economia, por exemplo, eles podem estimular ou desestimular a acumulação de capital. Ademais, ter o PIB potencial elevado é uma aspiração de toda a sociedade brasileira, particularmente após a década de 2010 tida como perdida em termos de crescimento econômico.

No bojo das negociações sobre a reforma tributária em trâmite no Congresso Nacional surgem as resistências naturais. Setores que se aproveitam do atual modelo tributário brasileiro tendem a resistir, dentre eles, os municípios de médio e grande porte alegam que terão perdas orçamentárias e pedem compensações. O orçamento de um governo local é constituído de receitas correntes (tributárias, transferências correntes e outras receitas correntes), além de receitas de capital (privatizações, concessões, transferências de capital, entre outras). As primeiras são consideradas de fluxo contínuo, enquanto as segundas são esporádicas.

Considerando as receitas correntes, a participação de cada rubrica no orçamento tende a variar segundo inúmeras métricas. Por exemplo, municípios de pequeno porte tendem a ter uma participação elevada das transferências correntes, particularmente no tocante ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Já municípios industrializados, têm uma elevada participação da Quota parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), embora este imposto seja de competência constitucional dos Estados, por força de lei 25% da sua arrecadação deve ser compartilhada com municípios, deste percentual, 75% devem ser direcionados ao município que originou o VAF responsável pelo tributo. Logo, municípios industrializados (que produzem bens) tendem a ter uma dependência elevada desta fonte de recurso.

Municípios de maior porte, por sua vez, desenvolvem estruturas sofisticadas de serviços que via de regra atendem sua população residente, além das populações de cidades vizinhas. Isto vale para serviços privados, mas também públicos. Nestes municípios maiores, redes de escolas, faculdades e Universidades, hospitais, shoppings centers, hotéis, serviços de lazer, entre inúmeros outros, atraem as populações de cidades menores a fim de usufruírem da sua estrutura de serviços. Isso movimenta a economia local dos municípios médios e grandes e produzem externalidades positivas na sua arrecadação, por vias do ISS-QN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza).

Em geral, os municípios maiores e industrializados têm manifestado resistências quanto à reforma tributária devido ao medo de perdas que podem vir tanto da queda na Quota Parte do ICMS, quanto no tocante ao seu principal imposto municipal, o ISS-QN. Como dito anteriormente neste artigo, racionalizar o código tributário de um país que coleciona distorções como o Brasil tende a ter efeitos do lado da oferta e impulsionar uma expansão do PIB potencial. Há uma extensa literatura empírica que atesta que a arrecadação dos governos é sensível ao PIB e, salvo em situações muito particulares, possui multiplicador maior do que 1, ou seja, se o PIB cresce 1 a arrecadação do governo cresce mais do que 1.

Mas este não é único ponto que precisa ser analisado. Como demonstro em ensaio empírico recente aceito para publicação em periódico científico respeitado, há uma característica comum que transcende todos os municípios brasileiros, chamamos isto de “dependência fiscal”. Via de regra, municípios grandes e pequenos dependem excessivamente de subvenções fiscais que são receitas geradas por níveis mais abrangentes de governo. Tais subvenções criaram um incentivo perverso para os governos locais que em geral subutilizam seus instrumentos tributários.

O exemplo mais cabal de uma política tributária ineficiente nos municípios é o IPTU (Impostos Predial Territorial e Urbano), um imposto direto, relativamente fácil de ser cobrado e passível de ser progressivo. Ao longo dos últimos 30 anos, em muitos grandes municípios brasileiros a arrecadação do IPTU foi inferior em valores reais em relação ao ITBI (Imposto sobre a Transferência de Bens Intervivos). Uma arrecadação crescente do ITBI ao longo do tempo pode sugerir uma ampliação do valor venal dos imóveis nestas localidades, se a arrecadação do IPTU não acompanha, isso pode significar que a planta de valores imobiliários nestes municípios está desatualizada, e que prefeitos têm abdicado deste instrumento tributário para evitar desgastes políticos.

Na prática o que se vê em alguns dos maiores municípios brasileiros é a expansão imobiliária em algumas regiões contrastando com a ociosidade em outras. Em geral regiões mais antigas destes grandes municípios têm passado por um intenso processo de sucateamento da sua infraestrutura urbana e se tornado áreas bastante degradadas. Enquanto isso, áreas mais novas recebem todo tipo de investimentos e lançam empreendimentos cujo custo ultrapassa a casa dos milhões. O curioso é que em parte destes municípios a planta de valores não é atualizada há décadas, sugerindo uma tributação maior nestas regiões hoje degradas em relação às mais modernas.

A subutilização do IPTU por parte dos grandes municípios produz um conjunto de consequências indesejáveis, estimula a especulação imobiliária, estimula a vacância de imóveis em áreas urbanas, leva a uma ocupação ineficiente dos territórios, concentra renda e riqueza, encarece a provisão de serviços públicos nas periferias das áreas urbanas, entre outros fatores. E um dos principais incentivos para a não utilização deste imposto é exatamente a elevada participação de transferências correntes no orçamento destas cidades. Dado que a cobrança de impostos, particularmente os diretos é algo extremamente impopular, prefeitos de direita e de esquerda ignoram este instrumento financiando suas despesas públicas com receitas advindas do Estado e da União.

A reforma tributária pode corrigir também esta distorção, dado que o ICMS e o ISS serão incorporados no novo IVA, se isto significar grandes perdas para os grandes municípios é perfeitamente possível que isso seja compensado com uma utilização mais racional dos impostos sobre propriedade. Prefeitos, não travem a reforma tributária.

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*

*

*

Translate »