Publicado no Jornal Valor Econômico em 19/12/2022
“Mudanças na função objetivo refletidas em uma mudança na administração têm efeitos imediatos sobre as expectativas dos agentes e suas decisões atuais” (p. 474)
O título deste artigo, bem como o trecho citado, homenageia o clássico paper “Rules rather than Discretion: The Inconsistency of Optimal Plans” de 1977, escrito pelos Nobel de economia Finn Kydland e Edward Prescott. Este último, considerado por muitos um dos mais disruptivos macroeconomistas dos nossos tempos, falecido no último dia 06 de novembro, aos 81 anos. No referido artigo, os autores fazem a sua crítica aos modelos dinâmicos tradicionais, argumentando que, diante de agentes racionais que mudam suas expectativas a partir de novas informações, respostas consideradas ótimas pelos formuladores de políticas macroeconômicas podem produzir resultados subótimos em termos de bem-estar.
O problema levantado pelos autores é o da inconsistência dinâmica. Desde a crítica de Lucas (1976), ficou claro que as métricas tradicionais de avaliação de políticas tornaram-se irrelevantes. Os agentes econômicos racionais tomam decisões de poupança, consumo e investimento olhando para o futuro esperado e com base na melhor informação disponível no presente. Aqui vale um adendo, expectativas racionais não significam que os agentes têm todas as informações, mas sim que reúnem a melhor informação disponível no momento.
Voltando à Kydland e Prescott, mudanças na política macroeconômica, por mais que façam sentido do ponto de vista da função de resposta de seus formuladores, levam a resultados subótimos, uma vez que não preveem os efeitos que isso produz nas expectativas e, consequentemente, nas decisões dos agentes.
Voltemos nossos olhares, agora, para o Brasil atual, à luz da teoria até aqui resumida. Após o período eleitoral findado no último dia 30/10, sob a perspectiva de um governo que irá iniciar, há um ambiente rico em novas informações que irão exercer (para o bem, ou para o mal) efeitos sobre as expectativas, a cada anúncio vindo do novo presidente e de sua equipe de transição. Estas primeiras semanas são, do ponto de vista da formação da credibilidade do novo governo, cruciais. Aqui, cada palavra e ação devem ser colocadas com o devido cuidado para não contaminarem negativamente as expectativas.
Lula foi eleito e terá seu terceiro mandato. O que significa que muitos agentes têm informações para formar expectativas sobre o futuro com base no que se sabe sobre seus dois mandatos anteriores. Naquele tempo, seu governo se comprometeu com metas primárias; preservou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); deu autonomia para o Banco Central (BC) perseguir suas metas de inflação; avançou sobre reformas interessantes como a da previdência de 2003 e acumulou US$370 bilhões em reservas internacionais.
Seu partido, no entanto, teve outros 2 mandatos sob o comando de sua escolhida política Dilma Rousseff. Neles, houve aumento significativo da discricionariedade política exemplificados na redução da transparência da política fiscal por vias de contabilidades criativas; redução da autonomia do BC no tocante às suas metas de inflação; interferências microeconômicas indevidas, sobretudo em preços administrados a fim de maquiar preços. Entre outras medidas de cunho muito heterodoxas que culminaram na nova década perdida.
Em resumo, Lula vai para o 3° mandato, enquanto seu partido, o PT, vai para o 5° com legados muito distintos em termos de agenda e desempenho econômico. Diante de dois legados, as informações acerca do que pode ser o Brasil a partir de 2023, nesta transição, são demasiadamente confusas. Devido a isto, a equipe de transição não pode desperdiçar este período para ganhar a confiança dos céticos. Os sinais dados na transição podem ser determinantes para o sucesso do governo inteiro.
As desconfianças que pairam sobre um 5° mandato do PT vêm das incertezas sobre a gestão fiscal. O legado dos dois últimos governos do partido, somados às promessas de campanha e as críticas ao regime fiscal brasileiro estruturado sob o teto de gastos, exacerbam tais desconfianças.
Lula prometeu em campanha manter os R$600 pagos pelo Auxílio Brasil, valorização real do salário-mínimo e reposição do orçamento de políticas públicas em diversas áreas. Hoje sua equipe de transição atua diretamente no Congresso para acomodar no orçamento despesas extra teto que podem chegar a R$200 bilhões. Os fiscalistas empedernidos já criticam o pacote tido como “irrealista” do ponto de vista de um país em déficit primário há 8 anos; com uma dívida pública bruta de 78% do PIB e sendo rolada a um custo superior a R$400 bilhões.
O pacote de 2022 parece já estar contratado próximo aos R$200 bilhões, porém é importante preservar o regime fiscal no decorrer do mandato. O montante gasto em 2023 é secundário, o que deve ser levado em conta é se a política fiscal do governo Lula será dinamicamente consistente ou inconsistente. O governo busca espaço no orçamento para fazer face aos seus objetivos sociais, o contexto social do país e a perspectiva de desaceleração mundial em 2023 parecem pedir uma ampliação destes esforços.
Há, no entanto, formas distintas de se perseguir a mitigação da pobreza. O caminho discricionário é o que a equipe de transição parece perseguir, cria-se um crédito suplementar no orçamento de 2023, paga-se as promessas de campanha e, se necessário, repete-se a dose em 2024, ou até o final do mandato. A forma alternativa de se fazer e que parece não estar sendo considerada pela transição é conciliando o colchão social de R$200 bilhões com uma nova âncora fiscal que discipline o orçamento a partir de 2024.
A segunda maneira de se perseguir os objetivos sociais parece ser infinitamente melhor do que a primeira. Regras fiscais não servem apenas para limitar o apetite político sobre os recursos públicos, o que já seria por si só uma grande contribuição. Voltando à Kydland e Prescott (1977), regras também dão previsibilidade aos agentes acerca do que esperar no futuro e devido a isto, levam a resultados melhores em termos de bem-estar. “Contando com algumas regras de política, a performance da economia pode ser melhorada” (Pg. 474).
Detalhes técnicos sobre o desenho desta regra podem ficar para 2023. Agora vale a sinalização sincera de que ao promover gastos sociais extras no exercício vindouro, a política macroeconômica não irá incorrer no problema da inconsistência dinâmica. O governo deve gastar mais no presente se comprometendo com uma regra que o discipline nos anos seguintes.
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