Qual o futuro das regras fiscais no Brasil?

Artigo publicado no Jornal O Estado de São Paulo em 13/12/2022

Isso poderia ser claro que nenhuma instituição irá prevenir que um governo ou legislatura incorra em um déficit, se é isso que eles estão determinados a fazer”

O trecho acima é do ensaio de Alesina e Perotti de 1996 na AER sobre regras fiscais. A reconstrução de uma âncora fiscal é uma condição sine qua non para a estabilidade macro do próximo governo. Desde 2017 a âncora fiscal que estabeleceu as bases do novo equilíbrio macroeconômico foi o teto de gastos. Tal regra, no entanto, foi descumprida recentemente por um conjunto de emendas à Constituição de elevado impacto fiscal.

O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, durante anúncio de ministros no CCBB Brasília.

O presidente eleito já sinalizou que o teto não deve ser mantido ano que vem, porém pouco se sabe sobre o formato da âncora que irá substituí-lo. A proposta mais provável seria um alvo para a Dívida Pública. Não creio, no entanto, que esta seja melhor do que uma regra sobre despesas.

Tal proposta está desconectada de princípios macroeconômicos básicos estruturados sob modelos de otimização dinâmica e na hipótese das expectativas racionais. Primeiramente, a dívida é consequência do déficit, em meu último artigo ao Estadão, salientei que a economia brasileira é do tipo spend-tax, isto é, o lado da despesa define o tamanho do governo. Gastar, como ensinado por Buchanan e Wagner (1977) é uma decisão política, portanto, âncoras fiscais calcadas na dívida pública não têm nenhum efeito sobre a discricionariedade política sobre o gasto.

Um segundo problema de eleger o endividamento público como âncora fiscal é que o alvo da relação Dívida/PIB é estático, enquanto o a sustentabilidade fiscal é um problema de otimização dinâmica. Em outras palavras, mesmo que a relação Dívida/PIB esteja na meta em um determinado momento do tempo, supondo equilíbrio primário, se a taxa de juros for superior à taxa de crescimento do PIB, a longo prazo o endividamento público tende a crescer. Isso flagra insustentabilidade fiscal. Finalmente, uma meta de endividamento público pode ser alcançada não por vias de uma política fiscal austera, mas sim por truques, como no presente, em que os efeitos da inflação elevam o PIB nominal e reduzem artificialmente a relação Dívida/PIB.

A partir de 2023 o Brasil precisará substituir o teto por nova âncora fiscal sobre os gastos com gatilhos anticíclicos, capaz de produzir uma relação de cointegração entre receitas e despesas e seus gatilhos devem reter o crescimento do gasto corrente na fase expansiva do ciclo e liberar investimentos e transferências sociais na fase recessiva.

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