Um Encaminhamento para a questão Fiscal

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 21/11/2022

Com o processo de transição entre governos já iniciado no Brasil vê-se uma clara mudança de foco. Agora, a questão a ser observada é a agenda do governo eleito. Em um momento de grave crise econômica, é natural que os olhares estejam voltados predominantemente à esta agenda. Particularmente, ganha relevância qual será o encaminhamento da questão fiscal, dado o teor das promessas realizadas durante a campanha.

Em artigo publicado nesta Folha de São Paulo em 03/09, argumentei, com base em revisão da literatura empírica mais recente, que o manuseio eleitoral de expansões fiscais não seria suficiente para eleger o incumbente Jair Bolsonaro (PL). Este alerta vale também para o governo que irá iniciar a partir de 2023, de forma que Lula (PT) será tão mais bem sucedido em seu terceiro mandato, quanto mais capaz ele for de conciliar sua agenda social com a responsabilidade fiscal.

A boa notícia é que responsabilidade social e fiscal não são agendas antagônicas. Lula foi eleito prometendo aumentar o salário-mínimo, manter o valor de R$600 para o Auxílio Brasil, além de aumentar em R$200 reais para famílias com crianças de até 6 anos. Todas as agendas com elevado impacto fiscal. Para encaminhar tais agendas, além de outras que irão demandar recursos, o governo está negociando mudanças no orçamento de 2023 com o Congresso, o que pode ser alvo de críticas de setores mais fiscalistas da opinião pública.

É importante salientar, no entanto, que o equilíbrio fiscal é um problema de otimização dinâmica. Isto é, em modelos macroeconômicos dinâmicos, uma expansão fiscal de curto prazo das despesas públicas, a fim de fazer face à algumas necessidades, pode não ter efeitos duradouros no tempo e, portanto, não comprometer a sustentabilidade fiscal de longo prazo.

Nestes modelos, agentes formam expectativas acerca do comportamento futuro da economia. Se eles creem que uma expansão fiscal terá efeitos duradouros, passam a projetar juros e impostos mais altos, tomando posições defensivas quanto ao consumo e ao investimento. Se por outro lado, o governo é crível e sinaliza que a expansão fiscal estará contida em um momento do tempo, isso estimula a confiança dos agentes que passam a cooperar com o governo em suas decisões de consumo e investimento.

Para que os fiscalistas empedernidos sejam convencidos de que os plano social de Lula não irá impor custos fiscais de longo prazo, o novo governo deverá sinalizar com uma nova regra. O teto de gastos foi a regra fiscal vigente até 2021, quando morreu após a PEC dos precatórios. Isso custou uma sensível piora do ambiente macroeconômico brasileiro com juros e inflação altas, além de câmbio depreciado.

Uma nova regra fiscal, com foco na contenção do gasto obrigatório a partir de 2024 (independentemente dos detalhes técnicos) se sinalizada já na transição, pode ser o ingrediente que falta para que Lula ponha em prática suas promessas de campanha, ganhando a confiança, acomodando expectativas e permitindo a queda nos juros e inflação, além do fortalecimento do real.

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