Os Limites Eleitorais do Déficit

Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 03/09/2022

“Jair Bolsonaro está, aparentemente, disposto a comprometer a estabilidade macroeconômica do país para se reeleger.”

O trecho acima foi retirado de artigo meu na Folha em 5/10/21. Hoje com o avizinhamento das eleições e a flagrante vantagem da oposição nas pesquisas, o presidente move esforços em duas direções para manter-se no cargo: i) melar as eleições com as consecutivas calúnias levantadas sobre a justiça eleitoral e a urna eletrônica; ii) manipular políticas macro precarizando as condições fiscais do próximo governo, visando recuperar pontos nas pesquisas. Focarei neste segundo ponto.

Imagem: UOL

A manipulação inadequada de políticas orçamentárias é recorrente no Brasil. As eleições de 2010 e 2014 já haviam sido caracterizadas por esta prática cujas consequências foram o impeachment de 2016. Evidentemente que Dilma não via na Câmara uma cúmplice na desestruturação macroeconômica do país como hoje vê Bolsonaro. Em outras palavras, a qualidade institucional importa para as consequências do déficit.

O uso orçamentário em períodos próximos às eleições está relacionado com um incentivo das democracias. No clássico livro Democracy in Deficit: The Legacy Political of Lord Keynes, Buchanan e Wagner argumentam que os eleitores compreendem melhor os benefícios de curto prazo de um déficit e ignoram seus custos de longo prazo. Esse incentivo torna corriqueiro (na ausência de regras) o uso oportunista do orçamento em períodos eleitorais.

Voltando ao pleito de 2022, a despeito da impopularidade, Bolsonaro foi o presidente que mais teve recursos orçamentários disponíveis desde a redemocratização. A PEC do orçamento de guerra de 2020 lhe permitiu gastar cerca de R$550 bilhões extra teto. Já entre o final de 2021 e hoje, inúmeras matérias de elevado impacto fiscal foram aprovadas no parlamento, destaco 3 PECs: i) Precatórios; ii) ICMS e; iii) Kamikaze. Além das consequências macroeconômicas, há outro problema criado por tais matérias, a “corrida pelo gasto”, Lula já se comprometeu com o auxílio de R$600 em seu governo. Gastos criados com fins eleitorais raramente são revistos mesmo que o governo seja trocado.

Outra questão que intriga é se o gasto poderá reeleger Bolsonaro? E a resposta é não! Claro que em se tratando de eleições, o imponderável pode acontecer. Porém, o déficit público isoladamente não melhora a avaliação de políticos. Evidências científicas corroboram com essa hipótese. Por exemplo, Brender e Drazen (2008), mostram em ensaio empírico voltado para uma amostra relevante de democracias, que a incorrência em déficits reduz a probabilidade de um político ser reeleito. O eleitor pune políticos que causam déficits.

Recentemente, no livro Austerity, Alesina; Favero e Giavazzi se debruçaram sobre o tema e mostram que planos de austeridade (corte de gastos; aumento de impostos; ou uma combinação de ambos) não prejudicam a reeleição de um governante. Se a despeito do uso irresponsável dos instrumentos fiscais, Bolsonaro não for reeleito, trata-se de um ótimo sinal de amadurecimento democrático do país.

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