Publicado no Jornal Correio Braziliense no dia 25/09/2022
Este artigo tem um significado simbólico, pois se trata do meu artigo de número 200 para diversos jornais para os quais contribuí desde o ano de 2010. O título é provocativo, já que no embate político local, apoiadores de uma das candidaturas postas argumentam que caso a outra candidatura seja vitoriosa nas eleições do próximo dia 02, o Brasil tenderá a replicar o fracasso econômico da Argentina. Escrevo este artigo da Cidade de Córdoba, na Argentina, onde passei a semana participando de um seminário acadêmico, a 55ª Jornada Internazionale de Finanzas Públicas, um evento anual que a mais de meio século contribui para a fronteira do conhecimento na área das finanças públicas. Participo ininterruptamente deste encontro desde sua 49ª edição, em 2016.
O argumento utilizado na eleição deste ano, associa o fracasso econômico argentino à governos de esquerda. O diagnóstico, evidentemente, está equivocado. Participando do encontro e conversando com os amigos argentinos, pude identificar claramente que a raíz dos seus problemas econômicos é a captura do Estado por elites políticas. Há uma vasta literatura que disserta sobre a qualidade institucional e os incentivos por ela criados, que levam os países à prosperidade ou ao fracasso. Portanto, governos de esquerda ou direita podem performar bem diante de instituições de boa qualidade.
O livro Why the Nations Fail? (Por que as Nações Fracassam?) de Daron Acemoglu e James Robinson corrobora com o meu argumento. Os autores dissertam sobre modelos institucionais que podem ser: i) inclusivos; ou ii) extrativistas. No primeiro caso, as instituições garantem aos cidadãos colherem os frutos de seus próprios trabalhos, há incentivos à competição e à inovação que geram crescimento econômico. Já no caso de instituições extrativistas, o fruto do trabalho alheio é capturado pelo Estado que é dirigido por elites (políticas, produtivas, financeiras, burocráticas e sindicais).
Esse segundo caso parece se adequar mais ao exemplo Argentino, que flagrantemente vem empobrecendo diante de crises sistêmicas e de uma inflação crônica. O país vive desequilíbrios fiscais crônicos, que estão associados, por sua vez, com a concentração de poderes nas mãos de seus governos (federal; provinciais e locais). A elevada concentração demográfica na província e na Cidade Autônoma de Buenos Aires, torna o modelo político argentino rígido. Em 2003, Néstor Kirchner ascendeu ao poder no país, sendo sucedido, em 2007, por sua esposa Cristina Kirchner que exerceu o poder até 2015. Após um mandato de Maurício Macri entre 2016 e 2019, Cristina Kirchner retorna ao governo exercendo a função de vice-presidente.
Em outras palavras, há um problema de alternância de poder na Argentina, que está relacionado com vários fatores: i) demográficos, tornar-se presidente na Argentina requer vencer as eleições na província de Buenos Aires, que concentra aproximadamente 36% do eleitorado do país. No que se refere ao parlamento, Buenos Aires mostra novamente sua importância, a província possui 70 deputados na Câmara Federal, enquanto a Cidade Autônoma de Buenos Aires possui 25 deputados, de um total de 257 cadeiras. Ou seja, mais de 36% da Câmara Federal argentina é composta por parlamentares de uma única região.
Este excesso de poder político dá ao presidente e à sua base de apoio no Congresso e nas elites, a capacidade de mudar regras discricionariamente, de acordo com suas conveniências. Recentemente, se discute no país a mudança do número de juízes em tribunais superiores, obviamente, isso não está sendo pensado com o nobre intuito de aprimorar o sistema judicial do país, mas sim de submetê-lo.
O Brasil não vai se tornar uma Argentina caso um governo de esquerda saia eleito do próximo dia 2 de outubro. Nossa distribuição populacional no território, contrastada com uma representação política na Câmara e no Senado é capaz de produzir freios ao poder eleito. Freios estes que funcionaram relativamente bem, ajudados por um Supremo Tribunal Federal independente, a impedir parte dos retrocessos tentados pelo governo atual. Durante a pandemia, prefeitos e governadores tiveram autonomia para adotar suas políticas de saúde, ainda que o governo federal as sabotasse.
Isso não significa que o Brasil, como qualquer outro país, esteja imune à decadência política. Vigilância quanto ao modelo institucional vigente, reforçar as amarras sobre o poder e reformas que favoreçam à competição e à inovação, devem ser pensadas.
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