Publicado no Jornal Valor Econômico em 16/12/2021
Na última reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM), o Banco Central (BC) decidiu elevar a taxa básica de juros da economia brasileira em 1,5 pontos base. Com isso, a Selic encerrará o ano de 2021 em 9,25%. Trata-se de uma contração monetária significativa, ao todo, desde janeiro deste ano, o BC moveu a Selic em 7,25 pontos base.
Restrições monetárias, embora necessárias em contextos de elevada inflação, têm efeitos macroeconômicos não desprezíveis. Os efeitos mais imediatos repercutem nos mercados financeiros e de divisas, levando à redução do valor de ativos negociados em renda variável, também das próprias empresas listadas em Bolsa e produzindo uma apreciação na taxa de câmbio. Juros mais altos também têm efeitos indesejáveis sobre o lado real da economia, o crescimento do PIB e o emprego tendem a ser negativamente afetados a médio prazo. Há ainda efeitos distributivos perversos, já que juros maiores transferem renda, também a médio prazo, de devedores para credores, produzindo maior concentração de renda.
O surpreendente desse contexto atual de aperto monetário é que a inflação não tem cedido aos movimentos do BC. Tão pouco a taxa de câmbio foi apreciada em 2020, o que segundo os modelos macroeconômicos tradicionais, seria o caminho natural do câmbio diante de um aumento do diferencial entre a taxa doméstica de juros vis a vis as taxas de juros internacionais. A persistência inflacionária pode estar relacionada com uma série de fatores tais como choques climáticos que produziram quebra de safra e elevação do preço de alimentos; também por elevações temporárias do preço internacional de commodities; somado a um longo período de estiagem pressionando bandeiras tarifárias no setor de energia elétrica. Estes são fatores que certamente em conjunto comprometem a eficácia de curto prazo da política monetária sobre a inflação.
Entretanto, a manutenção de taxas de câmbio excessivamente depreciadas diante de uma contração monetária tão significativa e da elevação dos termos de troca da economia brasileira no ano de 2020, dá pistas de que os desequilíbrios macroeconômicos têm causas mais profundas do que a má sorte cristalizada nos supracitados choques de oferta. Um conjunto de choques políticos (alguns evitáveis) que vêm se acumulando desde meados de 2019, tem contribuído para o esvaziamento da confiança sobre o país e para o desalinhamento de expectativas.
Todo esse contexto de falta de confiança, cujas origens são alheias ao organismo econômico, tem sido, mais recentemente, agravado pela deterioração do quadro fiscal brasileiro. Em que pese a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) esteja, a curto prazo, estável em torno de 85% do PIB, não há nada de confortável no cenário fiscal brasileiro. Primeiro, o atual patamar da dívida pública, embora estável, é demasiadamente elevado para padrões emergentes. Segundo, não foram poucos os retrocessos na área fiscal vividos em 2021, o exemplo mais cabal foi a dilatação do limite imposto teto de gastos permitindo maiores despesas em 2022, ano eleitoral. Terceiro, mesmo que a dívida pública esteja estável a curto prazo, a dinâmica do gasto obrigatório continua crescendo compulsoriamente acima dos 5% ao ano, isso tende a pressionar, no médio prazo, tanto a dívida pública, quanto a carga tributária.
Ademais, juros mais elevados tendem a deteriorar ainda mais o contexto fiscal pressionando o custo implícito da dívida pública. Em outras palavras, conforme o tempo passa e os juros são elevados, a dívida antiga indexada a taxas de juros mais baixas está sendo substituída por dívida nova já emitida e ajustada segundo a nova realidade da taxa de juros. Dado que o prazo médio de vencimento da dívida pública brasileira é de pouco mais de 3 anos, este processo de ajuste do custo da dívida à nova realidade da taxa de juros está apenas começando. Isso indica que nos próximos anos, as despesas com juros e amortizações da dívida pública, o que é tecnicamente conhecido como orçamento nominal, tende a se elevar.
Em resumo, se a deterioração fiscal tem contribuído para a persistência da inflação no tempo e para a manutenção de taxas de câmbio muito depreciadas. O remédio aplicado pelo Banco Central, a taxa de juros, tende a contribuir, a médio prazo, ainda mais para o agravamento da situação fiscal do país. Primeiro pela já citada elevação despesas com juros e amortizações. Segundo, porque contrações monetárias têm efeitos negativos sobre o PIB, logo, se o denominador da relação Dívida/PIB se contrai, a relação se expande. É preciso ter em vista que as estimativas de mercado já apontam uma trajetória de estagnação do PIB em 2022 e que nada garante que o país voltará a crescer em 2023. Portanto, é sobre uma base mais fraca de crescimento que o custo mais elevado da dívida pública irá incidir ano que vem.
Em outras palavras, a economia brasileira pode estar entrando em uma mesma armadilha em que a deterioração fiscal, ainda que justificada sob o argumento de expandir o colchão de proteção social em um momento de crise, alimenta uma inflação persistente e elevada que demanda aperto monetário. Por outro lado, a contração monetária necessária para lidar com uma inflação elevada cujas causas tem raízes fiscais, acaba por agravar a posição fiscal do país por vias do custo de rolagem da DBGG.
Este é um ciclo vicioso que uma vez em curso é difícil de ser revertido. A solução para uma deterioração fiscal causada pela expansão das despesas nominais pode exigir, no futuro, uma elevada dosagem de ajuste fiscal do lado primário do orçamento. Tudo isso em um contexto de crescimento econômico muito baixo, deterioração dos indicadores sociais, incertezas acerca de uma possível quarta onda da Pandemia de COVID-19 e desorganização política. Em outras palavras, a desorganização fiscal em curso, agravada pelo aperto monetário vigente, pode exigir ajustes primários maiores no futuro e em um contexto socioeconômico muito mais grave em relação ao atual. Melhor seria se país tivesse optado pela responsabilidade fiscal desde já.
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