Publicado em 14/08/2020 na Revista Política Democrática
O COVID agravou um problema já presente há anos na economia brasileira, o baixo crescimento. A dinâmica do produto vem preocupando desde o início da década, tida como a pior da história. Segundo minha estimativa a taxa média de crescimento desta década será de -0,27%, a depender do resultado deste ano. Isto se torna ainda mais grave quando se considera que o PIB brasileiro foi negativo em 2014, 15, 16 e 2020 ano para o qual se espera um resultado negativo entre -6 e -9,5%. Pior do que isto, a pior década em termos econômicos da história é agravada por um governo ruim em praticamente todas as áreas, por uma equipe econômica amadora e por um debate público empobrecido, o que projeta uma próxima década também ruim.
O Brasil precisa voltar a crescer, criar empregos e gerar renda, o problema é como fazer isto? As soluções para estimular a economia, ao menos por um curto prazo, em cenários cuja inflação é baixa está concebido tradicionalmente no arcabouço Keynesiano, as medidas consistem grosso modo em reduzir a taxa de juros, cortar impostos e/ou expandir despesas públicas afim de conduzir a economia para seu equilíbrio natural. Isto, no entanto, não será tão simples porque muitos destes instrumentos estão esterilizados. A taxa nominal de juros, por exemplo, se encontra no seu nível mais baixo. A SELIC over para o mês de julho foi de 2,15% ao ano, se a taxa de câmbio permanecer estável em torno dos R$5,20 há margem para que esta taxa de juros caia mais. Entretanto, uma nova queda de 0,5 pontos percentuais trazendo a SELIC nominal para 1,75% terá pouco efeito sobre o produto.
A outra política de estímulo seria a fiscal, o que está obstruída por uma dívida pública de 85,5% do PIB e deve fechar 2020 em 96%. Em um contexto destes, cuja retomada não se poderá dar pela expansão da despesa pública, a recuperação da economia só pode se dar pelo gasto privado o que torna a recuperação ainda mais complexa pois o gasto privado depende de um elemento subjetivo e fora do controle da política macro, a confiança.
Em livro recente denominado “Animal Spirits” os Prêmio Nobel de economia George Akerlof e Robert Shiller discorrem sobre os fatores que poderiam conduzir a economia de um equilíbrio de baixa confiança para um de alta confiança. Para os autores a confiança se espalha na economia através de um efeito multiplicador, isto é, quanto mais pessoas confiam na recuperação econômica e nas instituições, mais agentes tendem a elevar a sua confiança e realizar gastos e investimentos. Fatores como injustiça, corrupção e ilusão monetária estão entre os elementos que desestimulam a confiança.
No capitulo 7 do livro os autores discutem uma proposta que pode ser aplicável ao caso brasileiro. Em momentos de abalo coletivo da confiança, ainda que as taxas de juros caiam como vêm ocorrendo no Brasil desde 2016 somado a medidas adicionais como liberação de depósitos compulsórios por parte do Banco Central, os efeitos sobre o a confiança e consequentemente sobre o produto e emprego são modestos. Diante da falta de confiança os autores propõem que o Banco Central persiga uma meta de concessão de crédito para estimular a atividade e o emprego. Em países como o Brasil, municiado de três bancos públicos com capilaridade nacional, isto é perfeitamente factível.
As quedas recentes da taxa SELIC promoveram uma retração considerável do spread bancário que era de 18,36% em janeiro deste ano e foi reduzido a 15,62% em junho. A redução do custo do crédito não estimulou o crédito cujas concessões acumuladas retraíram de R$405 bilhões em dezembro de 2019 para R$321 bi em junho de 2020. Muitos desafios se impõem para estimular a economia via crédito. A primeira dificuldade é a população desbancarizada que segundo dados de 2019 eram cerca de 50 milhões de pessoas. Há ainda cerca de 63 milhões de inadimplentes. Claro que há uma interseção entre as pessoas que estão desbancarizadas e com pendências cadastrais, mas já se tem uma noção sobre a magnitude do desafio.
Devido a esta população sem acesso ao sistema bancário, instituir meramente uma meta de crédito pode não funcionar por falta de demanda por empréstimos. Ademais, entre as pessoas físicas bancarizadas há um comprometimento médio de 26% da renda com pagamentos de dívidas não imobiliárias. Ou seja, em média, do total da renda familiar disponível 26% está comprometida com o pagamento de alguma modalidade de empréstimo bancário não imobiliário. Propõe-se que o Banco Central possa atuar comprando estas dívidas não imobiliárias de pessoas físicas e jurídicas para com o sistema bancário limpando tais passivos do setor privado. Trata-se de uma medida excepcional e sem custos fiscais, em um contexto cujos estímulos ao gasto privado estão obstruídos pelo grande contingente de pessoas fora do sistema bancário e pelo alto comprometimento da renda das pessoas bancarizadas. Principalmente visando recolocar estas pessoas e famílias no circuito econômico.
Comentários