Publicado no Jornal Diário em 16/04/2020
Prezado Prefeito Odelmo Leão, lhe escrevo esta carta com a motivação de contribuir com a nossa cidade neste contexto dramático pelo qual passa mundo. Desde que comecei a residir temporariamente no Canadá, pude acompanhar o rápido avanço do Coronavírus neste país e no vizinho de fronteira, os EUA. Os editoriais de todo mundo e o Presidente Donald Trump dizem exaustivamente que vivemos uma situação de guerra. Particularmente, não gosto deste termo, já que guerras são causadas por motivações humanas. O que vivemos hoje é uma catástrofe sem culpados. E catástrofes exigem de líderes atitudes e posicionamentos que nem sempre são compreendidas no calor dos acontecimentos, ficando o julgamento da história como alento acerca do dever cumprido.
Não vou me arrogar ao direito de lhe sugerir alguma medida. Eu estou convicto de que você sabe o que precisa ser feito. O meu objetivo aqui é apoia-lo nas medidas tomadas e pedir compreensão ao nosso povo. Não é fácil ser governo em uma conjuntura destas. Lidar com o medo e a ansiedade das pessoas, introduzir políticas públicas com a arrecadação em queda, lidar com críticas às vezes injustas e principalmente saber que mesmo diante de todo cuidado expresso na quarentena, ainda sim vidas serão ceifadas pela cruel doença. Ao lhe escrever esta carta, sei inclusive que serei incompreendido e criticado por muitas pessoas do meu convívio, que na ansiedade compreensível de retomar suas rotinas podem não entender o real teor das minhas preocupações.
Desde que a crise do Coronavírus tomou dimensões de uma pandemia e me obrigou a viver sozinho, distante de familiares, vendo meus amigos de várias nacionalidades voltarem às pressas para seus países e o Campus da Universidade se tornar deserto, tenho dedicado parte do meu tempo a acompanhar diariamente a evolução dos dados da doença em diversos países do mundo. Diante disto, estou convicto ao dizer que as medidas de isolamento social adotadas em Uberlândia são corretas e devem ser mantidas no curto prazo! Explico.
Estudo do Prof Robin Thompson da Oxford University estima que um paciente infectado com COVID-19 é vetor de transmissão para 3 a 5 pessoas em média. Diante disto, fica evidente que isolar pessoas é uma forma de reduzir esta média de transmissibilidade e evitar uma hecatombe dos sistemas de saúde em todo o mundo. A proliferação da doença é relativamente recente no Brasil, mas já apresenta estágios avançados em vários locais. É possível inferir que as medidas de isolamento adotadas preventivamente na Coreia do Sul e tardiamente na Itália produziram (30 dias passados desde o primeiro óbito) uma média de 900 óbitos/dia no país europeu, frente a 6 óbitos ao dia no país asiático. A boa notícia é que mesmo na Itália onde a doença ganhou escala catastrófica, o número de óbitos está reduzindo nos últimos dias o que pode indicar o fim da quarentena em breve.
Sei Prefeito Odelmo Leão que o senhor está sendo pressionado por empresários a rever algumas medidas tomadas até aqui. No entanto, as curvas de casos confirmados e de óbitos são ascendentes no Brasil, a proliferação da doença está apenas no início, romper as medidas de isolamento nesta fase pode ter consequências sérias do ponto de vista humanitário e econômico. É falsa a escolha dicotômica entre a vida e a economia. Estudo recente de economistas do FED e do MIT que analisaram a evolução dos casos de gripe espanhola em 1918 nos municípios americanos, concluíram que os municípios que adotaram medidas de isolamento preventivamente, apresentaram tanto um número de vítimas menor, quanto uma recuperação econômica mais rápida quando comparados com municípios que adotaram as mesmas medidas de forma atrasada.
Como economista, não posso negar que a recessão de 2020 ocorrerá, precisaremos lidar com ela e cobrar soluções de Brasília. Existem políticas macro e microeconômicas que podem ser desenhadas para lidar com a recessão. Porém não é verdade que ela será causada pela quarentena! O mundo entrou em recessão, o comércio internacional está em colapso e o desemprego é recorde. A quarentena é o menor dos problemas econômicos. Sem segurança o consumidor não frequentará as ruas. Em uma situação calamitosa, pessoas desempregadas, restritas ao crédito e dependentes de ajuda social, os R$600 oferecidos fazem face apenas as necessidades básicas. Mesmo pessoas de renda alta e acesso ao crédito não consomem, pois sob incerteza o consumidor forma poupança precaucional. Reabrir o comércio, para além das atividades essenciais neste contexto, expõe pessoas ao risco e desperdiça recursos.
Desejo-lhe sorte e sabedoria na condução desta crise.
1 comentário
Divair
Minha maior preocupação no momento é com o transporte público, aglomerando dezenas de trabalhadores sem nenhuma proteção. É inaceitável!