Na vida pública, como em uma rodovia, os limites são apresentados para sinalizar perigo. Em uma rodovia cuja sinalização é de 110 km/h, se o motorista respeita o limite imposto, a probabilidade de se envolver em um acidente grave é mínima. Se ao invés disto, ele trafega a 160 km/h, a probabilidade de se acidentar e envolver terceiros aumenta muito. A mesma coisa acontece na vida pública, os limites, por muitas vezes chamado de decoro ou de liturgia do cargo, são impostos pela legislação para evitar perigos. No Brasil pós democratização, não foram raras as vezes em que os pilotos de Brasília extrapolaram os limites e colocaram em risco toda a tripulação.
Com o espírito preocupado com o que se passa no Brasil, desabafo que gostaria de ocupar esta coluna, como em tantas outras oportunidades, para discutir política econômica e estratégias para nosso desenvolvimento. Mas calar diante da postura de Bolsonaro e dos fatos recentes preocupantes é consentir. A democracia é um valor universal, ser de direita, esquerda ou de centro, deveria pressupor ser primeiro democrata. Ser democrata não no sentido restrito da palavra, de permitir que a população vote a cada período, mas no sentido ampliado na palavra, o que pressupõe que existe uma constituição e que todos indistintamente estão obrigados a obedece-la. A democracia no sentido amplo pressupõe que o poder é exercido de forma compartilhada entre poderes que se respeitam e atuam em harmonia.
No sentido amplo está bastante claro que a democracia no Brasil corre perigo. Bolsonaro deixou de ser aquela figura estranha do baixo clero do Congresso, com ideias ridículas, mas que lhe davam mídia e que todos acreditávamos que não teria fôlego nas eleições presidenciais para se tornar presidente. Agora estamos a cometer o mesmo erro, estamos tratando Bolsonaro como um alguém engraçado, um idiota qualquer que age de forma estranha, mas que não oferece riscos à democracia. Como na eleição, estamos mais uma vez subestimando Bolsonaro e corremos sérios riscos de ver nossa democracia sucumbir.
No livro Como as Democracias Morrem dos pesquisadores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Zablatt os autores narram como tem se dado o processo de implosão das democracias ao redor do mundo. Limites que estão sendo perigosamente ultrapassados no Brasil, tais como desmoralização da imprensa livre e do conhecimento por vias de ataques à jornalistas, cientistas, acadêmicos e intelectuais são sintomas. O aparelhamento do Estado visando a proteção de grupos aliados e a perseguição de adversários é outro sintoma. O cerceamento do funcionamento autônomo de instituições de poder como o legislativo e judiciário.
E para a perplexidade de todos, estas ditaduras nascem e se mantém com apoio de setores (maiores ou menores) da opinião pública. Não sejamos ingênuos, neste momento existem setores da sociedade venezuelana que apoiam Nicolas Maduro, aqui no Brasil, portanto, é de se esperar que grupos apoiem Bolsonaro, mesmo quando este age nitidamente para solapar as liberdades e submeter as instituições de Estado. Para fanáticos não importam as evidências ou fatos, mas sim a narrativa. Por mais esdrúxulo que pareça, a polarização cria fanáticos, de forma que hoje uma fatia da opinião pública está convencida que o Congresso e o Supremo conspiram contra um presidente “honesto e patriota” e nada deve convence-los a curto prazo a mudar de opinião. E por mais paradoxal que seja, a democracia pressupõe conviver com opiniões de todo tipo, inclusive com estas.
O fato é o impasse na opinião pública entre aqueles que, como eu, supõe a democracia como um pré-requisito para solução das diferenças e os que a relativizam, não será solucionado pela política, o país polarizado tende a continuar polarizado. Neste contexto, existe solução? Sim, a solução é constitucional e o que diz a Carta Magna no seu artigo “60, §4° Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir … III – A separação de poderes”. É clausular pétrea da Constituição brasileira a separação e o funcionamento autônomo do poder, e Bolsonaro ao incentivar manifestações contra os poderes constituídos atenta contra a Constituição que jurou defender sem jamais ter lido.
Mais do que isto, ao incentivar atos o contra os poderes ele comete um crime tipificado na Lei 1079/50 que é categórica em seu artigo “4° São considerados crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra à Constituição Federal e especificamente contra … II – O livre exercício do poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados”. E no capítulo II da referida lei são tipificados os atos do presidente que se enquadram neste artigo. O fato é que não há margem para interpretação, os fatos trazidos a público das mensagens do presidente incitando manifestações contra o Congresso e Supremo, são crimes tipificados em lei e precisam de uma resposta das autoridades.
Coexistir com as ameaças de Bolsonaro à democracia é o equivalente a dirigir a 160 km/h em uma ribanceira, se ele não for parado, cedo ou tarde as consequências vão aparecer. Presidente não é imperador e voto não é salvo conduto para o presidente de plantão agir como bem entender, as leis e as instituições devem se respeitadas. Aguardo as manifestações das autoridades incumbentes, Bolsonaro deve responder processo pelos seus atos devendo-lhe ser assegurados amplos direitos de defesa. Mas a conspiração do presidente contra os poderes constituídos não pode passar impune.
1 comentário
Sem nome
Votamos no Nolsonaro por isso… não acreditamos no parlamentarismo, a maioria mergulhados na corrupção Sem nenhuma preocupação com país, nossas leis é balela, farsa…. Sorry