Argentina, juros, câmbio e ortodoxia

Presidente da Argentina, Mauricio Macri 25/01/2018 REUTERS/Denis Balibouse

Recentemente a colega economista Laura Carvalho, anunciou em sua coluna na Folha de São Paulo, o fracasso na condução econômica pelo governo argentino, e uma eventual inutilidade dos livros texto em economia, para recomendar soluções práticas na condução da política macroeconômica. Na condição de estudioso em economia, que esteve visitando o país vizinho nos últimos dois anos, participando das Jornadas Internacionais de Finanças Públicas, e debatendo, portanto, com os economistas de lá, os limites e os avanços, referentes tanto à Argentina, quanto ao Brasil, senti na obrigação, de responder a nobre colega.

Começo narrando minhas duas participações nas supracitadas jornadas internacionais, ao ouvir acadêmicos e autoridades econômicas do país, saí com a sensação de que os problemas dos dois países, são muito parecidos, e, sobre eles, os manuais de economia realmente tem pouco a ensinar. Os problemas enfrentados por Brasil e Argentina, são de natureza puramente fiscal, isto indica que no fundo, há um problema de escolhas sub ótimas da nossa democracia. Em outras palavras, não há muito em que a economia possa ajudar, quando a nossa democracia direciona os rumos decisórios da sociedade, para outros caminhos.

Na primeira vez que estive na cidade de Córdoba, dialoguei por alguns minutos, com um manifestante de um grupo de extrema esquerda que panfletava na Praça San Martín, contra a política macroeconômica do presidente Macri, segundo as palavras dele: “Macri gobierna para los ricos”. Diante de fatos como este, não se precisa de amplos conhecimentos em economia, para perceber que a verdadeira patologia existente tanto lá, quanto cá, é a obstrução política existente as recomendações técnicas.

Dito isto, seria justa a crítica de Laura Carvalho à condução macroeconômica vigente no Brasil e Argentina? E principalmente, é justa a sua crítica às recomendações dos livros texto? Comecemos pela segunda pergunta. Os livros de macroeconomia universalmente estudados, dizem que na presença de déficits fiscais persistentes, elevações da taxa de juros e volatilidade na taxa de câmbio são os resultados esperados (DORNBUSCH; EDWARDS 1990). Em uma situação limite de expansão dos gastos públicos, a taxa de juros não seria eficiente para manter baixas as taxas de inflação, ter-se-á, portanto, uma situação de dominância fiscal (SARGENT; WALLACE, 1981).

Em resumo, não são os livros texto que estão errados, as economias ainda funcionam exatamente da forma como eles ensinam, o erro está nas escolhas das democracias, que se encantam por discursos heterodoxos, alternativos e experimentalistas. Era de Kafka, mencionado pelo saudoso Roberto Campos e talentosamente revisitado no livro AS LEIS SECRETAS DA ECONOMIA, a seguinte frase: “Com exceção da França, todo país onde existem escolas de pensamento alternativo em economia, com alguma expressão, é subdesenvolvido”. O fato é que mesmo diante das críticas (algumas válidas) aos livros textos, os heterodoxos tanto argentinos, quanto brasileiros, foram incapazes de produzir alternativas viáveis aos livro-textos. Na prática, o desempenho de longo prazo continua dependendo de fatores do lado da oferta, e no curto prazo, a política macroeconômica pode desempenhar um relevante papel estabilizador, seja da atividade na fase recessiva do ciclo através da política fiscal, seja da inflação na fase expansiva através da política monetária.

De volta à Argentina (e suas lições ao Brasil), cabe agora responder a primeira pergunta. A crítica de Laura Carvalho é injusta à condução da política macroeconômica no nosso vizinho. Aliás, isto é visto pela própria sessão de gráficos apresentado por Laura em seu artigo, se é verdade que a inflação na Argentina não recuou na proporção que gostaríamos, é bem verdade que ela parou de crescer, e os 24,8% vistos em 2017, é a menor taxa desde 2013. A inflação está estável mesmo diante do descontrole fiscal e do crescimento do produto e do emprego verificados naquele país ano passado.

Em resumo, a política macroeconômica na Argentina e no Brasil, são bem sucedidas das limitações das escolhas recentes das nossas democracias. Ajustes fiscais profundos dependem de aprovação legislativa, na ausência de uma política fiscal rígida, a política monetária e a cambial são sobrecarregadas. E em situações de choques externos como apresentados pelas economias latino americanas, a resposta monetária a fugas de capitais e seus impactos na taxa de câmbio, é melhor do que a não resposta. Laura sabe disso, e poderia colocar sua influência como importante economista que é, em favor da elucidação sobre temas fiscais espinhosos, como reforma da previdência e universalização dos serviços públicos.

DORNBUSCH, R. EDWARDS, S. macroeconomics populism. Journal of Development Economics. 1990.

FRANCO, G. As leis secretas da economia. Ed. Zahar, 2013.

SARGENT, T. WALLACE, N. Some upleasant monetarist arithmetic. Federal Reserve Bank of Minneapolis Quartely Review. 1981.

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