Mitos e verdades sobre a previdência

Publicado na Revista Cult em 19/04/2017
 
A combinação de crise aguda com redes sociais que permitem livre acesso de todo tipo de informação, seja ela de boa ou má qualidade, é importante ponderar sobre algumas questões de natureza complexa, cuja tentativa de se resumir num tweet questões que sintetizam anos de conhecimento, servem para fomentar a desinformação e o engano. Neste ambiente está sendo apresentada a PEC 287, que reforma novamente as regras previdenciárias.
 
Mitos sobre a previdência.
 
Dentre o conjunto de inverdades que é dita sobre a previdência, a mais irritante é a que suas contas são superavitárias. A previdência é dividida em quatro regimes: regime geral (RGPS), regime próprio (RPPS), regime de governos estaduais e municipais e regime complementar (previdência privada). Considerando apenas os regimes previstos pela reforma em discussão, ou seja, o RGPS e o RPPS, as contas da previdência social são financiadas pelas contribuições de trabalhadores e empregadores, sendo que, analisando esta rubrica de receitas com as despesas previdenciárias, houve um déficit financeiro nas contas da previdência de R$156 bilhões. Para tentar se maquear as contas, setores contrários a reforma torturam os números, incluindo receitas da seguridade social (que contemplam saúde, previdência e assistência social) para defender a tese da previdência superavitária. Ora, suponhamos que esta conta fizesse sentido, canalizar receitas da seguridade para custear contas da previdência, provocaria uma relevante falta de recursos para saúde e assistência social. O gráfico 1 mostra a evolução do rombo da previdência social.
 
Uma segunda falácia que se espalham sobre a previdência social, consiste nas contas do que o trabalhador contribui em 35 anos, em relação ao que ele recebe como aposentado. É importante salientar que, ao contrário do que dizem alguns, as contribuições presentes não se dão para custear despesas futuras com aposentados. No futuro, a previdência será custeada pelos trabalhadores de então, enquanto que, no presente as contribuições servem para custear os aposentados do presente.
 
Sabendo disso, no Brasil, temos pouco mais de 40 milhões de trabalhadores formais (no serviço público e privado), contribuindo para a aposentadoria de 20 milhões de aposentados, e as contas da previdência já apresentam um déficit de R$156 bilhões. É possível que ao final de 2035, em razão de mudanças no perfil demográfico brasileiro, tenhamos aproximadamente 50 milhões de trabalhadores formais para 40 milhões de aposentados, o que significa que, na ausência de uma reforma, não haverá recursos para as aposentadorias futuras, exceto sobre crescimento exponencial da nossa carga tributária.
 
Verdades sobre a previdência.
 
Apenas a título de informação, desde a constituição de 88, diferentes presidentes que revezaram no exercício do poder, com diferentes visões ideológicas, alteraram as regras previdenciárias. Tratar portanto, da reforma da previdência com o discurso de nós e eles, que permeia o debate político brasileiro, mais do que equivocado, é desonesto. Mesmo diante de diversas reformas, isto não foi suficiente para equilibrar o resultado da previdência social, cujas despesas crescem desde 1991 a uma taxa média de 5,1% ano (mais que o dobro da média do PIB), chegando em 2016, acumulando um déficit de 2,3% do PIB.
 
O equilíbrio macroeconômico depende do equilíbrio monetário, o equilíbrio monetário depende do equilíbrio fiscal, e este, depende da contenção de despesas previdenciárias que representam 8,1% do PIB. As despesas previdenciárias representam, portanto, 41% de todo o gasto primário da união, sobrando apenas 59% do total para gastar em todas as outras áreas como educação, saúde, defesa, justiça. Considerando isto, na ausência de uma reforma da previdência, e dada a aprovação da PEC do teto dos gastos que congela o crescimento dos gastos primários da união por 20 anos, segundo as estimativas do especialista Paulo Tafner, os gastos com previdência vão dobrar em 2035, chegando a 17,5% do PIB, se isto acontecer, serão eliminadas do orçamento outras rubricas de despesas como saúde e educação.
 
A escolha é da sociedade, se a reforma da previdência produz um enorme custo social para as gerações que vão demandar aposentadoria no futuro, a não realização da reforma envolve um custo para a sociedade toda. Custo este que pode significar desde quedas profundas em investimentos e gastos sociais, até a elevação da carga tributária, que no Brasil já é excessivamente alta. A não reforma da previdência, exigiria que a carga tributária fosse elevada em 2,5% do PIB anualmente. Dado que hoje a nossa carga tributária é de 34% do PIB, supondo que o PIB cresça a uma média de 1,5% ano, a carga tributária chegaria ao final de 2027 em 44% do PIB para cobrir o rombo previdenciário. Evidentemente, isto é inviável.
 
Ademais, a realidade de gastos previdenciários do país, é absolutamente incompatível com seu perfil demográfico. O Brasil possui menos de 10% da sua população com idade superior de 65 anos, e gasta 8,1% do PIB, governos como Polônia e Japão que gastam proporcionalmente o mesmo montante do PIB, possuem população com idade superior a 65 anos de 15% e 25% do total da população respectivamente. Isto mostra que, no Brasil, um grupo pequeno de 20 milhões de pessoas, tem acesso a maior fatia do orçamento da união, isto só é possível graças a regras incompatíveis com o bom senso, enquanto a média de aposentadoria no mundo é de 64 anos, no Brasil a média é de 58 anos. Aposentadorias precoces em países cuja expectativa de vida converge para níveis avançados, não significa gasto social, mas sim privilégios de uma geração de pessoas que impedirá as gerações futuras de terem acesso ao benefício, pelo país que queremos deixar para nossos filhos, reformar é preciso. (o Gráfico 2 mostra comparações da idade de aposentadoria entre Brasil e outros países).
 
Uma questão adicional sobre a previdência, consiste na capacidade que alguns gastos públicos possuem de influenciar o crescimento econômico. É sabido, que alguns itens de gasto público fomentam o PIB, é sabido contudo, que uns gastos fomentam mais do que outros. Gastos excessivos com previdência, segundo a literatura internacional, podem reduzir a capacidade de crescimento do país, no Brasil, isto se dá por dois caminhos: 1° a necessidade de mais impostos para seu financiamento e 2° retirando trabalhadores em idade produtiva do mercado de trabalho.
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