Desafio macroeconômico

A economia brasileira atravessa um momento inusitado, no curto prazo a sensação ainda é de pujança da atividade econômica, entretanto não há indícios de que a médio ou longo prazo este vigor será mantido, a percepção que tenho é de que na primeira chuva esta maquiagem irá borrar e a menina não poderá freqüentar a festa mais tarde.
Precisamos observar com cautela em primeiro lugar a situação econômica do mundo desenvolvido para traçar um possível panorama para os próximos anos, não se pode negar que a situação da União Européia atolada em dívidas terá implicações no Brasil. Os Estados Unidos por sua vez precisa retomar um ritmo sustentado de crescimento para que volte a consumir e investir elevando a prosperidade mundial.
Do outro lado do mundo a expectativa de que a China adote medidas para crescer menos e diminuir sua inflação implicará negativamente o preço das commodities causando impacto direto nas transações correntes brasileiras que já não passa pelo melhor dos momentos com o déficit previsto para este ano de US$60 bilhões.
Até aqui o país tem apostado na expansão do mercado consumidor interno para sustentar a sensação de crescimento tipo “nunca antes”, entretanto esta estratégia começa a dar sinais de fragilidade e a manutenção da política econômica tal qual a executamos hoje pode arruinar as oportunidades futuras do país e transformá-lo num gigantesco produtor e exportador de matérias-primas.
Internamente a economia sinaliza que o crescimento está próximo do teto, a equação que demonstra crescimento da inflação que extrapolou a margem superior da meta atingindo 6,71% na soma dos últimos 12 meses, somado ao aumento da inadimplência que bateu em 22,3% no primeiro semestre sendo a maior desde 2002 indica que não precisamos esperar neste ano outro “milagre” como o ocorrido no ano anterior onde o fictício crescimento de 7% ao ano sobre o 0% de 2009 inspirava falsos profetas a preverem um momento virtuoso da economia que como sabemos mantida a estrutura econômica atual, não se sustentará. Em outras palavras os 7% de 2010 foi vôo de galinha e bastou terminar a eleição para os problemas voltarem á tona com o ônus de todos os equívocos cometidos pela política econômica vigente.
O fato é que durante os últimos anos enquanto o governo fazia julgamento em causa própria e se vangloriava da colheita dos frutos que não foram plantados, alguns problemas históricos do Brasil iam retardando suas soluções e hoje reaparecem como forma de necessidade imediata, chega a ser assustador, mas mesmo com o país crescendo todos estes anos a uma média de 3,5%, 7 a cada 10 empresas fecham antes de completar 1 ano de existência. Mesmo no país onde o desemprego é o menor em décadas, ainda convivemos com cerca de 20% dos jovens que não conseguem trabalho, mais o problema da rotatividade no emprego somado ainda ao fato nefasto de que em praticamente todas as categorias que empregam com remuneração superior a 2 salários mínimos presenciamos déficit de admissões.
Se por um lado, no entanto, temos dificuldades no que tange os aspectos qualitativos no mercado de trabalho, de outro temos setores inteiros da economia com investimentos estagnados por falta de mão de obra, o acesso a capacitação dos recursos humanos no país engatinha, e a mão de obra ociosa no país está incapacitada de oferecer trabalho de boa qualidade ás empresas em vários setores.
Todos estes problemas são azeitados ainda pelo indiscutível processo de reprimarização que o país atravessa onde o maior culpado pelo problema é a taxa de câmbio valorizada que na opinião de alguns analistas passou a se tornar um mal necessário para o combate da inflação que passa por um surto de alta.
O processo de desindustrialização da economia deve ser estancado imediatamente se o país possui metas ambiciosas de desenvolvimento a longo prazo. Lembro com carinho do tempo em que a discussão sobre câmbio dizia respeito sobre colocar a indústria brasileira em condições de competir com os outros países no mercado externo. Hoje nosso setor de transformação tem dificuldade de competir com os produtos estrangeiros dentro do próprio país, onde aproximadamente 20% dos industrializados consumidos no Brasil são produzidos fora.
Mas para reverter ou pelo menos atenuar estes problemas, precisamos de uma ação decisiva e eficiente do Estado, em primeiro lugar acredito que será necessário que política fiscal e monetária atuem de maneira confluente para o combate a inflação, o que se viu durante os últimos 5 anos foi um esforço no sentido oposto, a fazenda aumentava gastos pressionando os preços enquanto o Banco Central aumentava os juros para conter a inflação. Neste caso seria razoável discutir um aumento de gastos públicos em menor proporção do que o crescimento do PIB melhorando simultaneamente a qualidade do gasto que é rígido no curto prazo e ruim do ponto de vista da execução, privilegiando despesas correntes em detrimento dos investimentos públicos que estão estagnados na casa de 1% do PIB.
Uma melhor execução fiscal diminuiria em parte as pressões inflacionárias, de gorjeta reduziria o quociente dívida/PIB abrindo espaço para um maior afrouxamento da política monetária, com queda na taxa de juros ao longo do tempo retomando assim a capacidade de investimento por parte da iniciativa privada.
Quanto ao câmbio creio que intervenções do Banco Central no sentido de desvalorizar o Real seja um caso de sobrevivência, isso implicará em mais pressões inflacionárias, sem a ajuda do câmbio valorizado certamente os preços vão subir, por isso a necessidade de disciplina fiscal, para atenuar os efeitos do aumento no preço dos importados, talvez seja necessário aumentar o centro da meta de inflação para algo próximo dos 6,5%, ou seja, no patamar atual do IPCA brasileiro, sem que haja qualquer intervenção no câmbio ou medida governamental para socorrer a indústria, em outras palavras a convivência com a inflação atual só se justifica se servir de instrumento de socorro da indústria brasileira, em nome da manutenção do emprego no longo prazo, o que não é constatado na atual política econômica. Este é o atual desafio macroeconômico, conciliar estabilidade com crescimento sustentável.

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