Privatizações e o ajuste fiscal

Publicado na Revista Cult na edição do Mês de Setembro de 2017

O passado recente de malabarismos heterodoxos da economia brasileira, condenou o Estado brasileiro a uma condição pré falimentar, já que há grandes chances de se chegar a uma dívida pública próxima a 100% do PIB após as eleições de 2018. Resolver o impasse fiscal requer responsabilidade e coragem, para abraçar uma agenda reformista e modernizante. O primeiro teste que foi colocado à prova, foi a PEC do teto dos gastos aprovada em 2016, esta, no entanto, não irá solucionar o problema fiscal do país, que tem se agravado ao longo de 2017. Outras medidas se fazem necessárias.

Um conjunto amplo de economistas, mesmo de orientação ortodoxa, tem pregado que será preciso novos impostos para fechar a conta. É preciso discordar desta abordagem, mais impostos na conjuntura posta, devem enfraquecer ainda mais a atividade e os impactos sobre a arrecadação devem ser modestos. As evidências sobre os impactos de novas alíquotas tributárias sobre a arrecadação, podem ser apresentadas através da Curva de Laffer, que prevê dois resultados possíveis, a partir de reajustes de alíquotas: 1° na fase ascendente da curva, onde a elasticidade da arrecadação frente aos impostos é positiva, e portanto, novos impostos levam a um aumento de arrecadação. 2° na fase decrescente da curva, onde a elasticidade é negativa, e os efeitos dos impostos levam a queda de arrecadação. A conjuntura recessiva e as experiências do 1° ano do 2° governo Dilma, apontam evidências de que a economia brasileira se encontra na fase decrescente da curva.

Diante do diagnóstico posto, quais possíveis medidas podem ser adotadas para que a conta fiscal volte a fechar?

Evidentemente que qualquer esforço para equilibrar as finanças públicas, passa por uma ampla reforma da previdência, que contemple medidas mais rígidas do que o texto atual. O perfil demográfico do país está invertendo e pressionando cada vez mais esta rubrica de despesas, hoje contempla mais de 42% do gasto primário da união. Ademais, nem tudo que hoje está contabilizado como despesa previdenciária pode ser considerado política social, ou política distributiva. Aposentadorias precoces (permitidas a pessoas com idade inferior a 60 anos) são um privilégio de trabalhadores formais brasileiros, inexistentes em quase todo o mundo. Além disso, a taxa de reposição de 76% no Brasil, remete que sua renda dos aposentados financiada pelo contribuinte é próxima com sua renda da ativa, o que flagra outro privilégio em comparações internacionais, onde a taxa de reposição é em média 56%.

Entretanto, considerando que a reforma da previdência seja aprovada este ano (hipótese questionável do ponto de vista do acompanhamento legislativo), seu impacto fiscal, a exemplo da PEC do Teto do Gasto, se dará apenas em exercícios fiscais futuros, já que o texto atual incide apenas em trabalhadores que irão se aposentar, mantendo os benefícios pelas regras atuais dos já aposentados. Em resumo, mesmo que a reforma da previdência seja aprovada, ela só ataca o fluxo futuro de despesas, será preciso ainda, medidas que ataquem o estoque de déficit e de dívidas do presente.

A estratégia com efeitos em prazo mais curto para atacar o estoque de déficits fiscais, deve se dar pelo ajuste patrimonial do Estado, ou seja, pelas privatizações. Isto por que em outubro de 2016 foi aprovada a MP 735, que permite a desestatização de concessionárias de energia elétrica estaduais adquiridas pela união, além de tornar menos burocráticos os leilões e reduzir os custos de subsídios do governo federal. Portanto, diferentemente das reformas que preveem amplo processo legislativo, as privatizações podem se dar num horizonte mais curto.

Ainda não se tem estimativas precisas, mas o Programa de Parcerias em Investimentos (PPI) anunciado pelo governo e que prevê a venda de ativos da união para iniciativa privada, podem render em torno de R$45 bilhões para o tesouro já no próximo ano, o que significa aproximadamente 25% da meta fiscal de R$159 bi aprovada para 2018. Os projetos, que preveem desestatização de ativos na área do saneamento, logística modal e energia elétrica, são conduzidos em grande medida pelo financiamento do BNDES.

O alívio fiscal poderia ser maior, caso fossem disponibilizados para a venda, ativos acumulados pelo BNDESPAR, braço de participações do BNDES em empreendimentos privados, que em 2016 acumulavam R$61 bilhões, sendo R$45 bi em ações de empresas listadas em bolsa e, R$14,6 bi em empresas coligadas com o banco. A redução da participação do BNDESPAR nestas empresas em 50%, significaria a entrada de aproximadamente R$30 bi para o tesouro, podendo ser utilizados para abatimento na dívida pública.

Muito mais do que o alívio fiscal, no entanto, as privatizações serão importantes para destravar projetos de investimentos em inúmeras áreas fundamentais para a retomada do crescimento. É importante ressaltar, que não haverá alívio fiscal sem crescimento e, não haverá crescimento econômico sem novos investimentos em energia elétrica, rodovias, ferrovias, aeroportos e saneamento. O cenário recente de queda na taxa de juros e criação na TLP são interessantes para o ingresso de capital privado nestes setores. Além de limitar a capacidade de interferência do Estado na economia, o ajuste patrimonial é o caminho para equilibrar o ajuste fiscal de longo prazo previsto nas reformas com o alívio nos déficits fiscais de curto prazo.

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