O Estado do Mal Estar Social

Publicado na Revista Culto em 20/05/2017

O Brasil tem experimentado um raro lapso de lucidez no período recente, se comparado ao histórico de ideias estapafúrdias e heterodoxas que assolam o nosso passado de planos intervencionistas e estatizantes. O argumento de base que alicerça tal ideário, é a compreensão de que a economia de mercado promove desigualdade, o que induz a vontade voluntarista de burocratas e políticos no sentido de intervir na economia afim de torna-la igualitária. Este sentimento orientou a promulgação da “constituição cidadã” em 1988. Trinta anos depois, é possível auferir alguns resultados.

 

Diagnóstico do problema.

O primeiro resultado da Constituição de 88 foi o crescimento do tamanho do Estado no Brasil, fruto, em parte da universalização de serviços públicos, como saúde e educação básica, mas também fruto da construção de uma rede de privilégios, representada pelo crescimento dos gastos com pessoal (ativo e inativo) nos governos estaduais e municipais, além de, benefícios previdenciários que permitem:

1 – aposentadorias precoces, ou seja, a existência da possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição, permite acesso ao benefício em média aos 58 anos, em um país cuja expectativa de vida converge para padrões desenvolvidos, o que torna longo o prazo de pagamento deste benefício.

2 – aposentadorias integrais, que foram parcialmente corrigidas pela presidente Dilma no que se refere à grande parte do serviço público federal. No entanto, o acesso a aposentadorias ao valor da ativa, se refere apenas aos trabalhadores de nível mais alto de renda, que em grande medida, mantiveram o acesso ao benefício segundo o novo teto do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Enquanto que, alterar o acesso ao benefício da ativa, para trabalhadores de renda menor, significa desatrelar o piso da previdência do salário mínimo, o que, evidentemente, não está sendo proposto.

Esta possibilidade de aposentadorias com salários da ativa, ou próximo da ativa, torna o sistema previdenciário brasileiro, um dos mais generosos do mundo, isto está explícito na taxa de reposição (razão entre o valor da aposentadoria e o salário do trabalhador) que no Brasil é de 76%, enquanto que nos países europeus, que gozam de benefícios previdenciários sabidamente generosos, esta taxa de reposição é de 56% em média. A soma portanto, de aposentadoria precoce com uma alta taxa de reposição, coloca o Brasil como o país que mais gasta com previdência em proporção à sua população idosa no mundo, tendo gastos (8,4% do PIB) de países desenvolvidos como o Japão, tendo aspectos demográficos parecidos com países emergentes (12% da população em idade de se aposentar).

Voltando a hipótese apresentada no parágrafo de introdução, o voluntarismo da elite política e burocrática em corrigir os impactos distorcivos do mercado sobre a distribuição de renda, se mostrou, quase 30 anos depois da promulgação da constituição, um enorme fracasso. Isto por que a manutenção da supracitada rede de privilégios, só é possível através do crescimento da carga tributária que saltou 22% do PIB em 1990, para 35% em 2017. O impacto concentrador do nosso Estado de Bem Estar torna-se ainda mais notório quando avaliamos alguns aspectos:

1° o nível de regressividade da nossa carga tributária, cujo 65% aproximadamente responde por impostos indiretos como ISS, ICMS, IPI, PIS-COFINS, IOF, entre outros impostos que em grande medida, incidem sobre produtos básicos e com baixa elasticidade da demanda como alimentos, fármacos, energia elétrica, combustíveis, entre outros.

2° o impacto negativo desta elevação tributária sobre o emprego, todo imposto significa uma transferência de renda do setor privado (ou produtivo) para o setor público (improdutivo). Se esta evolução de impostos cresce a tal modo que desincentiva a produção e o emprego formal, tem-se aí, um problema distributivo sério, já que parte da população vai para o mercado informal de trabalho sem acesso a qualquer direito.

3° todo crescimento dos gastos públicos acima dos gastos privados, traz uma arquitetura macroeconômica perversa, composta por taxas de juros excessivamente altas, o que encarece o crédito e transfere renda de tomadores para poupadores. Ou ainda, taxa de inflação igualmente alta, que significa transferência de renda, via mecanismo de fixação de preços e salários de trabalhadores de baixa renda (até 2 mínimos) e pequenas empresas, para grandes oligopólios, trabalhadores sindicalizados e para o governo.

Prospecções para o futuro.

Neste cenário as reformas caminham, sobretudo a da previdência, que deve diminuir o ritmo do crescimento desta rubrica de gastos dos atuais 5,6% em média ao ano. Mesmo com a reforma, ox gastos previdenciários devem continuar crescendo a uma média de 2,5% ao ano. Isto indica que outras rubricas de gastos vão ter que cair para o cumprimento do Novo Regime Fiscal que indexa o crescimento do gasto público à inflação. Considerando um crescimento econômico médio de 1,5% ao ano a partir de 2018, e as nossas elevadas taxas nominais de juros, e a previsão de déficits primários até 2020 na economia brasileira, a dívida pública deverá continuar crescendo e atingirá 80% do PIB em algum momento de 2018. Resolver o paradigma fiscal, prevê uma reforma constitucional e o desmonte de muitos outros privilégios além da própria previdência.

Os gráficos 1 e 2 mostram a previsão do crescimento dos gastos públicos no Brasil nos cenários com e sem a reforma da previdência respectivamente, é importante notar duas coisas, sem a reforma o crescimento do gasto não cabe no Novo Regime fiscal, além disso, no cenário com a reforma, o gasto previdenciário cresce, mas permite uma margem para o crescimento das outras rubricas de gastos.

Gráfico 1 – Comportamento do orçamento com a reforma da previdência.

 

Gráfico 2 – Comportamento do orçamento sem a reforma da previdência.

 

Mesmo diante disso, há quem defenda, como em manifesto recente lançado por “intelectuais de esquerda” mesmo diante deste diagnóstico, que a solução para estes problemas são doses cada vez maiores de intervenções estatais no campo da economia privada. Ideias do tipo, taxação de fortunas, ou indução do crescimento via expansão dos gastos públicos, que orientaram a supracitada carta constitucional, volta e meia reaparecem sob uma roupagem de um discurso progressista.

Curiosamente, figuras que defendem a importância do investimento público para o desenvolvimento nacional, são os mesmos que bradam contrários a reforma da previdência, cujos gastos crescentes com privilégios, usurpam dinheiro do orçamento que seriam canalizados para outras rubricas em situações normais. Enfim, parte da elite intelectual e acadêmica brasileira, sofre da síndrome da contraindução de Bacon, que prevê que experiências mal sucedidas devem ser repetidas ad. Infinitum até que logrem sucesso.

O Estado agigantado, além de um grande fomentador da corrupção, através da facilitação de lobbies e privilégios, como nos contam diariamente os noticiários. É o grande algoz da má distribuição de renda no país. Não por acaso, 30 anos depois da promulgação da constituição cidadã que precisa urgentemente ser revista, o Brasil segue sendo um país desigual, com pouco acesso a serviços públicos básicos como saneamento, expresso em um IDH médio, altas taxas de analfabetismo. É momento de repensar o nosso Estado de Mal Estar Social.

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*

*

*